28/08/2014

Resenha - O Vampiro de Curitiba, de Dalton Trevisan

  • Data de publicação

O vampiro de Curitiba talvez seja o livro mais conhecido de Dalton Trevisan. Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: A Polaquinha), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra. Mas Trevisan continua recusando a fama. Cria uma atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas "D. Trevis" e não recebe visitas - nem mesmo de artistas consagrados. Enclausura-se em casa de tal forma que mereceu o apelido de  O Vampiro de Curitiba, título de um de seus livros. Mestre na arte do conto curto e cruel, é criador de uma espécie de mitologia de sua cidade natal, Curitiba. O vampiro de Curitiba teve seus contos lidos na Rádio Educativa, nas leituras dramáticas e em oficinas. São pequeníssimos textos: leves, românticos, eróticos, existenciais... Mas tudo sempre inteligente e recheado de humor - às vezes negro.
O vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan. Escrito assim, pode ser tanto o nome de um livro, seguido de seu autor, quanto uma explicação. O autor guarda informalmente o codinome de vampiro desde 1965, quando publicou o metafórico O vampiro de Curitiba. Desde então, o escritor paranaense alimenta a lenda em torno da própria figura envolta pelo mistério da reclusão. No conto que batiza essa coletânea, ele auto-ironiza sua estranha maneira de "promoção delirante", mas não é pela mania de viver escondido que o leitor se sente sugado pelas mini-histórias.
Não deixa de ser um de seus principais personagens; recluso em sua vida pessoal a ponto de ser conhecido pela alcunha de um de seus livros - O Vampiro de Curitiba.
Um livro que se quer como novela, mas que cada unidade tem autonomia em relação às outras, e que inaugura uma .poética do vampirismo. As ações não ultrapassam as fronteiras que as separam, podendo ser lido como um livro de contos. O herói e sua tara, que na primeira parte revela a sua maldição: é obcecado por fêmeas, servem como elemento aglutinador destas narrativas. Não há descrições detalhadas. É o próprio personagem que se revela ao leitor ao revelar sua tara. Atormentado pelo desejo carnal, o herói se dilacera na busca constante do outro.
Foco Narrativo
Apenas os contos  O Vampiro de Curitiba e O herói perdido são escritos em 1ª pessoa.
Espaço
Alguns contos têm como cenário a cidade de Curitiba. No conto Visita à professora, o espaço mencionado é São Paulo. O narrador menciona lojas, ruas, igrejas, botequim.
Tempo
Não há flashbacks; Nelsinho tem idade diferente nos contos; os contos não estão em ordem cronológica.
Linguagem
linguagem coloquial, com termos vulgares (“grande cadela”); presença de diminutivos (safadinha, taradinha, casadinha); frases incompletas, mas de fácil compreensão (“Ai, eu morro só de olhar para ela, imagine então se.”); predomínio do discurso direto nos contos “Contos dos bosques de Curitiba” e, principalmente, “Arara bêbada”.
Intertextualidade Bíblica
Conto “A noite da paixão”: “terei de beber, ó Senhor, deste cálice?”; “Que se faça tua vontade, Senhor, e não a minha”; “Está consumado”.
Personagem
Nelsinho é o protagonista de todos os contos. Ao longo do livro, Nelsinho percorre uma via crucis, com o objetivo de saciar-se sexualmente com as belas mulheres que encontra nas ruas de Curitiba. Tarado insaciável, voyeur incontido, "não quero do mundo mais que duas ou três só para mim". É a normalista, a garotinha de família, a professora, nenhuma foge ao fervor de Nelsinho, que, ora bem-sucedido ora nem tanto, vai deixando, nas ruas corrompidas de Curitiba, as marcas em suas vítimas singelas, repletas de ingenuidade e - simultaneamente - de morbidez.
Enredo
Seus contos, quase todos ambientados em sua cidade natal - Curitiba - são impregnados de suspenses e enigmas. Em relatos breves, o autor revela o cotidiano da degradação humana em uma linguagem direta. O Vampiro de Curitiba nos leva ao dia-a-dia de Nelsinho, o vampiro literário personagem dos quinze contos do livro. Um curitibano que segue e assedia velhinhas, senhoras respeitáveis, virgens e prostitutas, agoniado e indeciso entre aquela que “molha o lábio com a ponta da língua para ficar mais excitante”, a viúva toda de preto com joelho “redondinho de curva mais doce que o pêssego maduro”, a “casadinha” que vai às compras e a normalista.
Nelsinho é o personagem que transita por todos os contos, dando unidade ao livro. Obcecado por sexo, ele vagueia pela provinciana Curitiba atrás de suas vítimas, enquanto aos olhos do leitor vai se abrindo o quadro de uma cidade decaída. Cidade em que se esconde um vampiro no fundo de cada "filho de família", conforme ironiza o protagonista do livro.
Curitiba, esquadrinhada por Nelsinho, que primeiro se vê seduzido pelos braços e pernas de uma sensual garota de outdoor - ou de uma virgem? - e, ao cabo, precipita-se para o círculo infernal mais baixo, para o quarto de um bordel ao lado de uma velha prostituta banguela. Ele é o próprio Drácula nivelado à cidade degradada sob as vestes do cafajeste brasileiro. Nelsinho, assim como o vampiro, é presa da repetição infindável dos seus atos e de sua obsessão, que agravam sua solidão: "Tem piedade, Senhor, são tantas, eu tão sozinho".

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