29/12/2013

O Mulato, de Aluísio Azevedo - Resenha


Publicado: 06/06/2013

O romance O Mulato, de Aluísio Azevedo, foi publicado em 1881 e causou escândalo na sociedade maranhense, não só pela crua linguagem naturalista, mas sobretudo pelo assunto de que tratava: o preconceito racial. A obra teve grande sucesso, foi bem recebido na Corte e tomado como marco do Naturalismo no Brasil.

Na época, a obra foi muito mal recebida pela sociedade maranhense e Aluísio Azevedo, que já não era visto com bons olhos, tornou-se o "Satanás da cidade". Para se ter uma idéia da indignação causada pela obra, pode-se citar o fato de o redator do jornal A civilização ter aconselhado Aluísio a "pegar na enxada, em vez de ficar escrevendo". O clima na cidade ficou tão ruim para o autor que ele decidiu retornar ao Rio de Janeiro.

Alguns elementos naturalistas quer estão presentes nesta obra são: a crítica social, através da sátira impiedosa dos tipos de São Luis: o comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o padre relaxado e assassino, e uma série de personagens que resvalam sempre para o imoral e para o grotesco; o anti-clericalismo projetado na figura do padre e depois cônego Diogo, devasso, hipócrita e assassino; aoposição ao preconceito racial que é o fulcro de toda a trama; o aspecto sexual referido expressamente em relação à natureza carnal da paixão de Ana Rosa pelo mulato Raimundo; o triunfo do mal, pois no desfecho, os crimes ficam impunes e os criminosos gratificados: a heroína acaba se casando com o assassino de Raimundo (grande amor de sua vida), e o padre Diogo, responsável por dois crimes, é promovido a cônego.

Observa-se no texto abaixo a caracterização dos costumes da província, dos mexericos e do preconceito, manifesto na maledicência de que participam D. Bibina, Lindoca, D. Maria do Carmo e Amância Souselas:

- Ele não é feio... a senhora não acha, D. Bibina?... segredava Lindoca à outra sobrinha de D. Maria do Carmo, olhando furtivamente para o lado de Raimundo.
- Quem? O primo d'Ana Rosa? 
- Primo? Eu creio que ele não é primo, dona!
- É! sustentou Bibina, quase com arrelie. É primo sim, por parte de pai!...
Por outro lado, Maria do Carmo segredava a Amância Souselas:
- Pois é o que lhe digo, D. Amância: muito boa preta!... negra como este vestido! Cá está quem a conheceu!...
E batia no seu peito sem seios. - Muita vez a vi no relho. Iche!
- Ora quem houvera de dizer!... resmungou a outro, fingindo ignorar da existência de Domingas, para ouvir mais. Uma coisa assim só no Maranhão! Credo!


Há também muitos resíduos românticos, pois foi escrito em plena efervescência da Campanha Abolicionista e o autor não manteve uma posição neutra, imparcial. Ao contrário, ele toma o partido do mulato, idealizando exageradamente Raimundo, que mais parece o herói dos romances (ingênuo, bondoso, ama platonicamente Ana Rosa e ignora a sua condição de homem de cor).

O autor descreve o ambiente da cidade de São São Luiz com muita nitidez. Observe:

Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam, os vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; os folhas das árvores nem se mexiam; os carroças d'água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçados, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontra vã viva alma no rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.

É nessa atmosfera abafada, tanto do ponto de vista climático quanto do convívio social, que são apresentadas as personagens. Até os cães se envolvem no ambiente de letargia preguiçosa: Os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar querendo morder os mosquitos. O mal cheiro domina o ambiente: Às esquinas, nas quitandas vazias, fermentava um cheiro acre de sabão da terra e aguardente. A grosseria do ambiente envolve as ações das personagens: O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava a sua preguiça morrinhenta, acariciando o seu imenso e espalmado pé descalço (...) as peixeiras, quase todas negras, muito gordas, o tabuleiro na cabeça, rebolando os grossos quadris trêmulos e as tetas opulentas.

Observa-se que, se os cães "tinham uivos que pareciam gemidos humanos", as peixeiras, animalizadas, têm "tetas opulentas". Homens e animais se misturam, portanto, no universo bestializado e asfixiante de São Luís do Maranhão.

É nesse ambiente que chega a São Luís o jovem advogado Raimundo, sobrinho há muito afastado de Manuel Pescada. Raimundo corresponde perfeitamente ao protótipo do herói romântico, pelo qual Ana Rosa tanto esperava. Sua descrição em tudo contrasta com a de Luís Dias. Ambos são, no entanto, personagens planas, superficiais, e servem apenas para que o autor prove sua tese anti-racista.

Sobre o personagem Raimundo

Raimundo saíra criança de São Luís para Lisboa. "Em toda a sua vida, sempre longe da pátria, entre povos diversos, cheia de impressões diferentes tomada de preocupações de estudos, jamais conseguira chegar a uma dedução lógica e satisfatória a respeito da sua procedência. Não sabia ao certo quais eram as circunstâncias em que viera ao mundo, não sabia a quem devia agradecer a vida e os bens de que dispunha. Lembrava-se no entanto de haver saído em pequeno do Brasil e podia jurar que nunca lhe faltara o necessário e até o supérfluo. "Esse jovem rico e virtuoso regressa a São Luís, depois de anos na Europa, formado e com o intuito de desvendar o mistério de seu passado. Antes, passara um ano no Rio de Janeiro e agora volta a São Luís para rever seu tio e protetor distante, Manuel Pescada.

Depois do nascimento de Raimundo, José Pedro casou-se com Quitéria Inocência de Freitas Santiago, mulher branca e impiedosa. Enciumada com a atenção especial que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordenou que a negra fosse açoitada e que suas partes genitais fossem queimadas.

José Pedro, indignado com tamanha crueldade, leva o filho para a casa do irmão em São Luís. Voltando à fazenda, flagra a mulher e o então jovem e sedutor Padre Diogo em pleno adultério. Enfurecido, José Pedro mata Quitéria e forma um pacto de cumplicidade com o Padre Diogo: esconderão a culpa um do outro. Desgraçado e doente, José Pedro refugia-se na casa do irmão. Ao se restabelecer, resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é assassinado por ordem do Padre Diogo, que já começara a insinuar-se também na casa de Manuel Pescada.
Raimundo é bem recebido pela família do tio, com exceção da sogra de Manuel, a racista radical Dona Maria Bárbara. Estranha alguns olhares enviesados da população, mas imagina-os fruto do estranhamento causado por um forasteiro.

O sedutor advogado, como não poderia deixar de ser, logo cai nas graças de sua prima Ana Rosa que, arrebatada, declara-lhe seu amor. Raimundo corresponde à paixão da prima, mas os jovens encontram fortes obstáculos. Principalmente a oposição de Manuel Pescada, que queria a filha casada com Luís Dias, da avó Maria Bárbara, racista intransigente e do Cônego Diogo, velho amigo da casa e adversário não declarado e ardiloso de Raimundo.

Acontece que, ao contrário dos amantes, seus três grandes opositores conheciam as raízes negras de Raimundo. Aos poucos o leitor vai tomando conhecimento das origens do herói, que, no entanto, permanece ignorando tudo.

Obcecado por desvendar suas origens, Raimundo insiste em visitar a fazenda onde nascera. Após diversos adiamentos, seu tio finalmente o leva até a Fazenda São Brás. No caminho, o mulato começa a obter as primeiras informações sobre o passado trágico de seus pais. Ao pedir ao tio a mão de Ana Rosa em casamento, vê-se recusado. Perplexo, Raimundo acaba descobrindo que a recusa se deve a suas origens negras. Na fazenda, Raimundo é abordado, à noite, por uma velha negra de aspecto fantasmagórico, que o quer abraçar. Assustado, por pouco não mata a estranha aparição. No caminho de volta a São Luís, descobre que se tratava de sua mãe, Domingas.

Ao retornar à capital do Maranhão, Raimundo resolve voltar para o Rio de Janeiro. Não suporta mais viver com o tio e muda-se de sua casa, enquanto prepara-se para viajar. Pouco antes do embarque, manda uma carta a Ana Rosa confessando seu amor. O amor pela prima o impede de partir. Os amantes se encontram e Ana Rosa acaba engravidando. Contra tudo e contra todos, armam um plano de fuga. No entanto, o Cônego Diogo usa das confissões de Ana Rosa e da colaboração subserviente do caixeiro Dias, que intercepta as cartas do casal, para, ardilosamente, impedir a concretização da fuga. No momento em que planejavam partir, os amantes são surpreendidos. O Cônego Diogo orquestra o escândalo e finge-se de protetor do casal. Raimundo volta para casa atordoado e, ao abrir a porta de casa, é atingido nas costas por um tiro disparado por Luís Dias, com uma pistola que lhe emprestara o Cônego Diogo.

Ana Rosa, desolada, aborta o filho de Raimundo. "A nova firma comercial, Silva e Dias, nasceu entretanto, no meio da mais completa prosperidade."

Desfecho irônico

Seis anos depois da morte de Ramundo, no Clube Familiar, vemos Ana Rosa e seu marido Dias saindo de uma recepção oficial:

"O par festejado eram o Dias e Ana Rosa, casados havia quatro anos. Ele deixara crescer o bigode e aprumara-se todo; tinha até certo emproamento ricaço e um ar satisfeito e alinhado de quem espera por qualquer vapor o hábito da Rosa; a mulher engordara um pouco em demasia, mas ainda estava boa, bem torneada, com a pele limpa e a carne esperta.
Ia toda se saracoteando muito preocupada em apanhar a cauda do seu vestido, e pensando, naturalmente, nos seus três filhinhos, que ficaram em casa a dormir. 
- Grand'chaine, double, serré! berravam nas salas.
O Dias tomara o seu chapéu no corredor e, ao embarcar no carro, que esperava pelos dois lá embaixo, Ana Rosa levantara-lhe carinhosamente a gola da casaca.
- Agasalha bem o pescoço, Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho!..."


A ironia final, bem a gosto naturalista, coloca por terra toda a idealização romântica de Ana Rosa e Raimundo. Morto o primo, a prima acaba por se casar com seu assassino, e parece levar, ao lado do marido que tão ferozmente rejeitara anteriormente, uma feliz e próspera vida burguesa. O mal triunfa, associado à igreja corrupta e ao comércio burguês.

Personagens principais

Raimundo - filho do irmão de Manuel Pescada, José Pedro da Silva, com sua escrava negra Domingas. A idealização própria dos romancistas românticos, a superioridade absoluta: moral, intelectual e mesmo física, observa-se na descrição deste personagem: "Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos, tez morena e amulatada, mas fina, - dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode, estatura alta e elegante, pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia era os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuís, pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido,- as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.
Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão, falava em voz baixa, distintamente, sem armar ao efeito, vestia-se com seriedade e bom gosto; amava os artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política."


Ana Rosa - prima e noiva de Raimundo, filha de Manuel Pescada que não consentia no casamento da filha com seu sobrinho, por ser ele filho da escrava Domingas. Leitora ávida de romances, como a Emma Bovary, de Flaubert, ou a Luísa do Primo Basílio, de Eça de Queirós. Seu pai, Manuel Pescada, quer fazê-la casar-se com seu colaborador, o caixeiro Luís Dias.

Cônego Dias - assassino do pai de Raimundo.

Luís Dias - empregado de Manuel Pescada, que por instigação do cônego acabou por assassinar Raimundo. (...) era um tipo fechado como um ovo, um ovo choco que mal denuncia na casca a podridão interior. Todavia, nas cores biliosas do rosto, no desprezo do próprio corpo, na taciturnidade paciente daquela exagerada economia, adivinhava-se-lhe uma idéia fixa, um alvo para o qual caminhava o acrobata, sem olhar dos lados, preocupado, nem que se equilibrasse sobre um corda tesa. Não desdenhava qualquer meio para chegar mais depressa aos fins; aceitava, sem examinar, qualquer caminho desde que lhe parecesse mais curto; tudo servia, tudo era bom, contanto que o levasse mais rapidamente ao ponto desejado. Lama ou brasa - havia de passar por cima; havia de chegar ao alvo - enriquecer. Quanto à figura, repugnante: magro e macilento, um tanto baixo um tanto curvado, pouca barba, testa curta e olhos fundos. O uso constante dos chinelos de trança fizera-lhe os pés monstruosos e chatos quando ele andava, lançava-os desairosamente para os lados, como o movimento dos palmípedes nadando. Aborrecia-o o charuto, o passeio, o teatro e as reuniões em que fosse necessário despender alguma coisa; quando estava perto da gente sentia-se logo um cheiro azedo de roupas sujas.

Manuel Pescada - um português de uns cinqüenta anos, forte, vermelho e trabalhador. Diziam-no afilado para o comércio e amigo do Brasil. Gostava da sua leitura nas horas de descanso, assinava respeitosamente os jornais sérios da província e recebia alguns de Lisboa. Em pequeno meteram-lhe na cabeça vários trechos do Camões e não lhe esconderam de todo o nome de outros poetas. Prezava com fanatismo o Marquês de Pombal, de quem sabia muitas anedotas e tinha uma assinatura no Gabinete Português, a qual lhe aproveitava menos a ele do que à filha, que era perdida pelo romance.

Resumo

Após a morte da filha, D. Bárbara, deixa sua fazenda para morar com o genro Manuel Pescada, próspero comerciante, e com a neta Ana Rosa, em São Luís do Maranhão. Enérgica com os escravos, D. Bárbara comanda-os aos berros e sovas, o que muito desagrada Pescada, chegando, algumas vezes, a verbalizar o seu arrependimento em ter concordado com a vinda da sogra.

O irmão de Pescada, José da Silva, fazendeiro e ex-comerciante de escravos, foi assassinado, há muitos anos atrás, em suas terras. Sua esposa, D. Quitéria Inocência de Freitas Santiago já era viúva, sem filhos e muito rica, quando se casou com ele. Embora fosse extremamente religiosa, achava que escravo não era gente e o simples fato de alguém não ser branco, já era um crime. José teve um filho, Raimundo, com uma ex-escrava alforriada de nome Domingas. A atenção que o marido devotava a esse afilhado, fez com que D. Quitéria descobrisse a verdade sobre o menino. 

Num ataque histérico, a chibatas e queimaduras a ferro em brasa, a senhora quase mata Domingas. Diante do ocorrido, Quitéria, aconselhada pelo jovem vigário, Padre Diogo, refugia-se na propriedade da mãe. José vai buscá-la, flagrando-a em adultério com o padre. Transtornado, a estrangula, matando-a na frente do sacerdote que, para se livrar do escândalo, sugere a José um pacto de silêncio mútuo; para todos, a esposa teve morte natural e, assim, foi enterrada.

José deixa a fazenda para Domingas e mais três pretos velhos, que já alforriara, e parte para São Luís, onde pretende liquidar seus bens e, em seguida, voltar a Portugal com o filho Raimundo. Ele e o menino hospedam-se na casa do Pescada em São Luís. Mas, logo adoece e, impossibilitado de embarcar, recebe visitas diárias de seu "fervoroso" amigo, Padre Diogo. Este vai conquistando a amizade da família e quando nasce Ana Rosa, Pescada e esposa escolhem-no para padrinho.

Tendo José se restabelecido, insiste em voltar para a fazenda, mas para o desespero de Domingas, no caminho, bem próximo da casa, é morto em uma emboscada, e Raimundo, o Mundico, sob a guarda do tio, é enviado ao padrinho em Portugal, segundo o desejo paterno.

Após estudar advocacia na Europa, onde se forma em advocacia, Mundico volta à terra natal, para vender as propriedades do pai e se estabelecer no Rio de Janeiro. Excetuando-se os imensos olhos azuis, que herdara do pai, é um tipo acabado de brasileiro: alto, elegante, pele bem morena e fina; pescoço largo e nariz direito; cabelos negros, lustrosos e crespos; dentes claros sob um bigode negro.

Interessado no lucro que teria, auxiliando o sobrinho na venda das terra, Pescada resolve acomodá-lo em sua casa, mesmo sabendo que o mulato no seio de sua família geraria comentários desfavoráveis na sociedade local. Padre Diogo, agora Cônego Diogo, conselheiro da família, concorda com o argumento de Pescada.

O Cônego, que parece ter culpa na morte de José, é, por sua vez, adversário natural de Raimundo. Sentindo-se ameaçado, por temer a descoberta de seu segredo, quer vê-lo bem longe de São Luís. Na casa do tio, Raimundo alheio às histórias envolvendo sua mãe, empenha-se em descobrir os mistérios em torno de seu nascimento e da morte paterna. Acredita que, voltando à fazenda de São Brás, será possível desvendar o passado e reconstruir sua história.

Ana Rosa herda do pai o corpo rijo e os dentes fortes e, da mãe, a beleza das formas, os olhos negros e os cabelos castanhos. Como toda donzela da época, aos quinze anos, já sente as transformações operadas em seu corpo e espírito, ansiando por um marido "o homem da sua casa, dono de seu corpo, a quem ela pudesse amar abertamente como amante e obedecer em segredo como escrava".

A jovem Ana Rosa sonhava com um casamento romântico, "sonhava umas criancinhas louras, ternas, balbuciando tolices engraçadas e comovedoras, chamando-lhe "mama!"". E lembrava-se sempre do conselho que lhe dera a mãe ao leito de morte: "não consintas nunca que te casem, sem que ames deveras o homem a ti destinado para marido. Não te cases no ar! Lembra-te que o casamento deve ser sempre a conseqüência de duas inclinações irresistíveis. A gente deve casar porque ama, e não ter de amar porque casou. Se fizeres o que te digo, serás feliz!" Assim, Ana Rosa vai formando a imagem de um herói romântico que virá salvá-la da mediocridade da vida em São Luís do Maranhão.

O pai via no seu empregado português, Luís Dias, muito trabalhador, discreto, econômico e com tino comercial aguçado, as qualidades de um futuro genro. Apesar de tudo isso, o moço, com seu eterno ar de piedade, resignação e humildade espera a decisão da moça. Toda vez que o pai tocava em casamento e sugeria o nome do Dias, ela exclamava um ora, papai!

A convivência com o primo Mundico desperta em Ana Rosa uma grande paixão. Passava o dia pensando nele, idealizando o calor de seu rosto. Numa espécie de embriaguez dormia, ouvindo sua voz, colhendo no ar seus beijos quentes; ao acordar, ficava horas inteiras prostrada, entre os lençóis a cismar.

Raimundo que, por sua vez, ainda não havia reparado na beleza da prima, numa manhã à mesa do café, nota-lhe as mãos claras, os dentes asseados, a frescura pele, a boca e os cabelos fartos. Mas, fica só nisso, devotando-lhe uma afeição e atenção fraterna. Anica torna-se pálida, chamando a atenção de todos. Achavam que tal estado só se curaria com casamento. Padre Diogo e D. Bárbara, que nunca viram com bons olhos a presença do mulato no seio familiar, acham que para acertar o casamento da menina com o Dias, Raimundo deve sair de casa o mais rápido possível. Ana Rosa não quer Luís Dias para esposo e o Pescada, que punha o interesse financeiro acima de tudo, acha que o amigo Diogo estava criando coisas sem fundamento, pois fora o próprio Mundico que sugerira casamento para a prima.

Quando Raimundo saía, Ana Rosa visitava seu quarto e numa bisbilhotice, voluptuosa e doentia, fantasiava eventos com os objetos encontrados; passava momentos inesquecíveis naquela adoração. Raimundo, desconfiando dessas visitas, um dia volta sorrateiramente e flagra a prima com um livro na mão. Repreendendo-a por aquela atitude comprometedora, pede que ela se retire. Depois de muito chorar, a moça declara seu amor ao primo.Num abraço, oferece-lhe os lábios e o rapaz dá-lhe um beijo tímido; em troca, beijá-o duas vezes, ardentemente.

Depois de vários adiamentos, Raimundo e o tio partem para o Rosário e durante a viagem, Mundico conhece um portuguesinho que lhe conta muita coisa acerca da fazenda São Brás e seus moradores. Fica sabendo que o Cônego Diogo tinha sido o pároco da região e muito ligado ao pessoal da fazenda. Além disso, passam pela cruz de madeira, à beira da estrada, marcando o local da morte de seu pai. Os guias não vão além dela, temendo a maldição ali existente. 

Tio e sobrinho chegam à fazenda ao anoitecer. O administrador Cancela, que conhecera Raimundo, ainda menino, hospeda-os com alegria. Na manhã seguinte, após as transações comerciais, partem bem cedo para São Brás. Ali, com muita emoção, olhando as datas nas lápides das sepulturas do pai e de D. Quitéria, Raimundo conclui que era filho bastardo. 

Como no dia anterior, havia pedido Ana Rosa em casamento e Manuel declinara sem dizer a razão, acha agora que esse seria o motivo. Insiste para que o tio lhe conte a verdade, e este lhe diz que Domingas está viva, e é a velha negra louca, encontrada momentos atrás. Assim, o caso amoroso dele com a prima tornava-se proibido e Ana Rosa afigura-se-lhe uma felicidade indispensável. 

Quando o pai conta a Ana Rosa o ocorrido, denigre a imagem do primo e esta tem um ataque histérico. Enquanto isso, Raimundo leva o Cônego Diogo a seu quarto e conta-lhe suas suspeitas. Mas o velho Cônego, num jogo de retórica brilhante, força Raimundo até a lhe pedir desculpas. Diogo desce as escadas entre resmungos: "Deixa estar, que me pagarás". Sete dias depois, Raimundo deixa a casa do tio, esperando o dia da partida do vapor para o Rio.

No dia da partida, Manuel e o Cônego se dirigem ao porto para dizer-lhe adeus. Após alguns momentos de indecisão, acerca de sua viagem, Mundico, minutos antes de embarcar, vai ao quarto de Ana Rosa, que o proíbe de sair e terminam fazendo amor, ouvindo, ao longe, o assobio do vapor, partindo. Raimundo resolve instalar-se no Caminho Grande e os amantes, que se comunicam por carta, marcam um dia para a fuga.

O Cônego contava com os préstimos de Dias, com quem se aliara, e este farejava os movimentos e cartas recebidas por Anica, para contar ao padre. Após três meses, o Cônego e Dias descobrem o plano dos amantes e aparecem na hora exata, acompanhados de um juiz. Arma-se um escândalo; Ana Rosa fala de sua gravidez, chocando a todos. O cônego rebate, dizendo que a afilhada continua pura; aquilo era apenas um recurso para forçar o casamento. Diogo aconselha Raimundo a ir embora de São Luís para não ser processado.

Ao sair com Dias, o Cônego parece conspirar; entrega-lhe algo, mas o companheiro escrupuloso se nega a receber. Logo o astuto Cônego convence-o de que estaria vingando sua honra ultrajada e lembra-lhe: "quem o seu inimigo poupa, nas mãos lhe morre". Após vagar pela noite, Raimundo resolve voltar para casa e, ao abrir a porta, é atingido pelo revólver de Dias. Mundico, num gemido, tomba contra a parede; vendo-o morto, Ana Rosa aborta. Seis anos depois, ela reaparece, em solenidade pública, bem casada com o Sr. Dias - o assassino de Raimundo. Está preocupada em cuidar dos três filhos e também do marido: "Agasalha bem o pescoço Lulu! Ainda ontem tossiste tanto à noite, queridinho".

Cora Coralina - O que é viver bem?


Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889 — Goiânia, 10 de abril de 1985), foi uma poetisa e contista brasileira.

Considerada uma das principais escritoras brasileiras, ela teve seu primeiro livro publicado em junho de 1965 (Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais),1 quando já tinha quase 76 anos de idade.

Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.

24/12/2013

Bimbalham os sinos?



Todos os natais são iguais: um sentimento de solidariedade jamais praticada durante o ano

Todo ano eu escrevo sobre o Natal no Natal. Hoje, escrever sobre quê? Sobre o mensalão? Sobre o Natal na Papuda? Todos os natais são iguais: um sentimento de solidariedade jamais praticada durante o ano. Eu tento ser original, mas esbarro na mesmice dos dias natalinos; parece que o tempo é o mesmo dos anos 50. Por isso só me resta repetir ideias dos melhores trechos de anos passados.

Os primeiros indícios do Natal surgem com ralas bolinhas douradas nas lojas, depois uma arvorezinha, até que aparece a figura eterna de Papai Noel.

Não creio que Papai Noel seja muito querido, a não ser pelas criancinhas ainda sem web e videogames; os adultos sentem um vago mal-estar diante daquele São Nicolau que foi inventado na Noruega, aquelas barbas e roupinha quente para nosso verão. O que inquieta é a total falta de relação do Papai Noel com nossa vida cotidiana. De repente, ele surge como um invasor sorridente, um embaixador do Polo Norte, como um RP para lojas e supermercados, como se dissesse em seu ho ho ho: "Não se preocupem... tudo está bem... eu sou a bondade e o mundo muda mas eu não. Estarei sempre aqui, uma vez por ano. Rodeado por meus veadinhos e entrando pela chaminé que não existe mais." Papai Noel é o quê? Um santo, um lobista do comércio, um espião do NSA? O mundo está muito mudado.

Até quando? Será que no ano 2050 ainda haverá Papai Noel?

Na época do Estado Novo de Getúlio Vargas, nacionalista e fascistoide, alguns malucos lançaram uma campanha no rádio para substituir o Papai Noel por um outro símbolo: o "Vovô Índio" — um velho silvícola seminu, com peninha na cabeça, que traria presentes para os "curumins" de verde e amarelo. Foi um fracasso total, pois o cinema americano já mandava em nossas cabeças, com o Bing Crosby cantando "White Christmas" sem parar.

Lembro-me que no Natal, durante as ceias, eu via do meu canto de menino melancólico as ligações frágeis entre parentes, entre tios e primos, as antipatias disfarçadas pelos abraços frios e os votos de felicidades. O destino das famílias fica evidente no Natal. Os pobres se conformando com o tosco prazer dos presentes baratos e os ricos querendo provar que serão felizes a qualquer preço. Canalhas e egoístas o ano inteiro, esfalfam-se para viver uma alegria compulsiva entre gargalhadas solidárias, beijos molhados de vinho e uísque, terminando nas tristes saídas na madrugada, com crianças chorando e presentes carregados com tédio por pais de porre, aos berros de "feliz Natal".

Eu olhava aquelas famílias viajando no tempo como um cortejo trôpego, eu via a solidão de primos, das tias malucas, dos avós já calados e ausentes, o eterno presunto caramelado, o peru com apito.

Todo mundo reclama do Natal, repararam? "Ah... porque no Natal aumenta o sentimento de culpa, a gente tem de aguentar a família e os traumas infantis, no Natal eu fico triste porque me separei do marido, o Natal é uma festa influenciada pelos americanos, com Papai Noel enchendo o saco em vez de esvaziá-lo, no Natal a gente engorda muito, comendo aquelas rabanadas e panetones, chega de Natal!"

Todo mundo fala essas coisas mas, de noite, olham com ternura as bolinhas douradas da árvore, comem seus pedaços de peru, dizem que "adoraram o presentinho, coisa pouca, não leva a mal, mas essa caixa de sabonetes naturais é legal, adorei a água de colônia, esse CD não é pirata não?"

Eu já tive carnavais felizes, "sãos joões" felizes, mas não me lembro de uma grande "noite feliz, noite de paz".

E fui o primeiro de minha turminha de subúrbio a desconfiar que Papai Noel era uma fraude. "Papai Noel não existe!" — foi meu grito revolucionário. "Existe sim! Ele me deu um velocípede!" — bradavam os meninos obstinados em sua fé. "Ah, é? Então, fica acordado para ver se não é teu pai botando os presentes na árvore!" Mas meus amigos lutavam contra essa desilusão, mais ou menos como velhos comunas não desistem até hoje do paraíso leninista. Recorri a meu avô, conselheiro e aliado, e ele confirmou e apoiou meu agnosticismo natalino: "Não existe não... Você não é mais neném..."

Daí para a frente, não parei mais. Entrei de sola na lenda da cegonha e do bebê que "papai do céu mandou"... "Vocês pensam o quê? As mães de vocês ficam nuas e o pai de vocês bota uma coisa dentro da barriga delas pelo umbigo...!" "A minha mãe, não!" — berravam os jovens édipos, partindo para a porrada de rua comigo. Daí para descrer de Deus foi um pulo, para o horror escandalizado dos colegas do colégio jesuíta. "Deus é bom, padre?" "Infinitamente bom..." "Ele sabe de tudo?" "Sim..." — respondiam os padres já desconfiados. "Então, por que ele cria um cara que depois vai para o inferno?" Até hoje ninguém me respondeu isso.

E assim fui, até começar meu ódio ao "imperialismo norte-americano" dos anos 60.

Hoje, vejo que o Natal perdeu aquela delicadeza antiga, com o fim das famílias nucleares. Em vez do saco de presentes, temos as calamidades coloridas dos shopping centers. Em vez da família reunida em torno do peru, vemos pobres e ricos solitários tentando recriar uma noite feliz nem que seja nos botequins e lanchonetes.

E hoje, mesmo com o futuro cada vez mais ralo, confesso que tenho saudades da precariedade de nossa vida antiga, da ingenuidade dos comportamentos, de um mundo com menos gente louca e má. "Ah! Você por acaso quer a volta do atraso?" — dirão alguns. Não; tenho saudades retrógradas dos tempos analógicos, do ritmo lento do dia a dia, sonho com uma vida delicada que sumiu, dos lugares-comuns, dos chorinhos e chorões, de tudo que era baldio, dos valores toscos da classe média. E quando chega o Natal, mesmo irritado com os "sinos que bimbalham", tenho a grande nostalgia das tristes ceias de minhas tias, sinto ainda o gosto dos "panetones" e rabanadas transcendentais do meu passado.

Hoje, no presépio de Belém, perto da manjedoura onde o menino Jesus recebeu os reis magos, nos lugares sagrados de Jerusalém, explodem os homens-bomba berrando "Feliz Natal, cães infiéis!".



http://oglobo.globo.com/cultura/bimbalham-os-sinos-11143719#ixzz2oPtEwiJ5 

19/12/2013

JOGO DA FORCA ONLINE



Basta clicar em iniciar e nas letras do seu palpite.

O máximo para "não ser enforcado" é de 8 erros, por palavra!

Clique na figura abaixo e bom divertimento:


Não desista......! hahaha



15/12/2013

São João Clímaco - Origem do nome




San Juan de La Valdeci Cruz nome de São João Clímaco partiu da homenagem prestada ao padroeiro da região: São João, um monge que viveu no Oriente Médio entre os séculos VI e VII (530-650), e ficou conhecido como São João Clímaco em virtude do livro que escreveu, A Escada, que em grego significa "Clímaco".
Neste livro, São João descreveu as virtudes como degraus de uma escada que nos levaria ao céu. Curiosamente, se "São João Clímaco" fosse traduzido para a Língua Portuguesa, teríamos como bairro "São João Escada".
Em fevereiro de 1892, o Bispo Diocesano de São Paulo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, concedeu ao Dr. João Mendes licença para fundação da Capela de São João Clímaco, situada no alto do Morro Vermelho – hoje Largo de São João Clímaco -, divisa entre as Paróquias de São Joaquim, no Cambuci e a Matriz, em São Bernardo do Campo.
Passados quatro anos, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcante, atendendo à solicitação do Dr. João Mendes de Almeida Júnior, concedeu licença para a celebração da primeira missa pelo Padre César de Angelis.
Assim sendo, a família Mendes tutoriou a Capela ao longo de dezessete anos – entre 1892 e 1909, quando em 28 de julho do último ano transferiu propriedade ao Sr. Francisco Seckler, tutor da Capela por quarenta e dois anos - entre 1909 e 1951, momento em que doou parte da chácara da família Seckler, incluindo a agora Paróquia de São João Clímaco – com área de 2.000 m² -, para a Cúria Diocesana de São Paulo.
Por volta de 1957, um dos párocos mais significativos da Paróquia de São João Clímaco, padre Benno Hubert Stollenwerk4 , veio da Alemanha para fixar residência no bairro.
Desde então, sua presença atuante permitiu que a região se desenvolvesse efetivamente enquanto bairro: além das missas que celebrava, padre Benno 5 exercia sua formação acadêmica em teologia, filosofia e psicanálise para atender [e acolher] a quem quer que fosse, independente de cor, sexo, idade ou crença. Foi docente no colégio alemão Visconde de Porto Seguro (ainda sito à Praça Roosevelt), além de organizar movimentos para solicitar melhorias de infra-estrutura, expansão e melhoria do atendimento à saúde e educação dos moradores de São João Clímaco.
Ele ressaltava que na década de 50, só duas ruas eram asfaltadas: a Estrada de São João Clímaco e a Estrada das Lágrimas. O Rio dos Meninos 6 , que marca a divisa com o município de São Caetano do Sul, tinha água cristalina, o que permitia a apreciação e pesca dos vários tipos peixes.