20/08/2013

LER E ESCREVER NA ESCOLA: O Real, O Possível, O Necessário Délia Lerner


 

Embora seja difícil e demande tempo, a escola necessita de trans­formações profundas no que concer­ne ao aprendizado da leitura e da es­crita, que só serão alcançadas atra­vés da compreensão profunda de seus problemas e necessidades, para que então seja possível falar de suas pos­sibilidades.

Capítulo 1

Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário

Aprender a ler e escrever na esco­la deve transcender a decodificação do código escrito, deve fazer sentido e estar vinculado à vida do sujeito, deve possibilitar a sua inserção no meio cultural a qual pertence, tornando-o capaz de produzir e interpretar textos que fazem parte de seu entorno.

Torna-se, então, necessário reconceitualizar o objeto de ensino toman­do por base as práticas sociais de lei­tura e escrita, ressignificando seu aprendizado para que os alunos se apropriem dele 'como práticas vivas e vitais, em que ler e escrever sejam instrumentos poderosos que permitam repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, e em que interpre­tar e produzir textos sejam direitos que é legítimo exercer e responsabilidades que é necessário assumir'.

Para tornar real o que compreen­demos ser necessário, é preciso co­nhecer as dificuldades que a escola apresenta, distinguindo as legítimas das que fazem parte de 'resistências sociais' para que então se possa pro­por soluções e possibilidades.

A tarefa é difícil porque, a própria especificidade do aprendizado da lei­tura e da escrita que se constituem em construções individuais dos sujei­tos agindo sobre o objeto (leitura e escrita) torna a sua escolarização difí­cil, já que não são passíveis de se sub­meterem a uma programação sequencial. Por outro lado, trata-se de práticas sociais que historicamen­te foram, e de certo modo continuam sendo, patrimônio de certos grupos, mais que de outros, o que nos leva a enfrentar e tentar buscar caminhos para resolver as tensões existentes na instituição escolar entre a tendência à mudança (democratização do ensino) a tendência à conservação (repro­dução da ordem social estabelecida).

É difícil ainda, porque o ato de ensinar a ler e escrever na escola tem finalidade puramente didática: a de possibilitar a transmissão de saberes e comportamentos culturais, ou seja, a de preservar a ordem pre­estabelecida, o que o distancia da função social que pressupõe ler para se comunicar com o mundo, para conhecer outras possibilidades e refletir sobre uma nova perspectiva.

É difícil também, porque a estruturação do ensino conforme um eixo temporal único, segundo uma pro­gressão linear acumulativa e irreversível entra em contradição com a própria natureza da aprendizagem da leitura e da escrita que, como vimos, ocorre por meio de aproximações do sujeito com objeto, provocando coordenações e reorganizações cognitivas que lhe per­mite atribuir um novo significado aos conteúdos aprendidos.

E, finalmente, a necessidade da escola em controlar a aprendizagem da leitura faz com que se privilegie mais o aspecto ortográfico do que os interpretativos do ato de ler, e o siste­ma de avaliação, no qual cabe somente ao docente o direito e o poder de ava­liar, não propicia ao aluno a oportuni­dade de autocorreção e reflexão sobre o seu trabalho escrito, e conseqüentemente, não contribui para a construção da sua autonomia intelectual. 
Diante desses fatos, o que é pos­sível fazer para que se possa concili­ar as necessidades inerentes à insti­tuição escolar e, ao mesmo tempo, atender as necessidades de formar leitores e escritores competentes ao exercício pleno da cidadania?

Em primeiro lugar devem se tor­nar explícitos aos profissionais da edu­cação os aspectos implícitos nas prá­ticas educativas que estão acessíveis graças aos estudos sociolinguísticos, psicolinguísticos, antropológicos e históricos, ou seja, aqueles que nos mostram como a criança aprende ser leitora e escritora; o que facilita ou quais são as prerrogativas essen­ciais a esse aprendizado.

Em segundo lugar, é preciso que se trabalhe com projetos como fer­ramenta capaz de articular os propó­sitos didáticos com os comunicativos, já que permitem uma articulação dos saberes sociais e os escolares. Além disso, o trabalho com projetos esti­mula a aprendizagem, favorece a au­tonomia, pois envolve toda a clas­se, e evita o parcelamento do tempo e do saber, já que tem uma aborda­gem multidisciplinar. "É assim que se torna possí­vel evitar a justaposição de atividades sem conexão - que abordam aspectos também sem conexão com os conteúdos -, e as crianças tem oportunidade de ter acesso a um trabalho sufici­entemente duradouro para resolver problemas desafiantes, construindo os conhecimentos necessários para isso, para estabelecer relações entre diferen­tes situações e saberes, para consolidar o aprendido e reutilizá-lo... ".(p.23).

Finalmente, é possível repensar a avaliação, sabendo que esta é neces­sária, mas que não pode prevalecer sobre a aprendizagem. Segundo a au­tora, 'ao diminuir pressão do con­trole, torna-se-se possível avaliar aprendi­zagens que antes não ocorriam [...]' porqueno trabalho com projetos, os alu­nos discutem suas opiniões, buscam informações que possam auxiliá-los e procuram diferentes soluções, fatores importantíssimos a formação de cida­dãos praticantes da cultura escrita.

Capítulo 2 - Para Transformar o Ensino da Leitura e da Escrita

"O desafio [...] é formar se­res humanos críticos, capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explicita ou implicitamente, pe­los autores dos textos com os quais interagem em vez de per­sistir em formar indivíduos de­pendentes da letra do texto e da autoridade dos outros", (p.27) .

Para que haja uma transformação verdadeira do ensino da leitura e da escrita, a escola precisa favorecer a aprendizagem significativa, abandonan­do as atividades mecânicas, e sem sen­tido, que levam o aluno a compreender a escrita como uma atividade pura e unicamente escolar. Para isso, a esco­la necessita propiciar a formação de pessoas capazes de apreciar a literatu­ra e de mergulhar em seu mundo de significados, formando escritores e não meros copistas, formando produtores de escrita conscientes de sua função e poder social. Precisa, também, prepa­rar as crianças para a interpretação e produção dos diversos tipos de texto existentes na sociedade, fazendo com  que a escrita deixe de ser apenas um objeto de avaliação e passe a ser um objeto de ensino, capaz não apenas de reproduzir pensamentos alheios, mas de refletir sobre o seu próprio pensa­mento, enfim, promovendo a desco­berta da escrita como instrumento de criação e não apenas de reprodução. Para realmente transformar o en­sino da leitura e da escrita na escola, é preciso, ainda, acabar com a discri­minação que produz fracasso e abandono na escola, assegurando a todos o direito de 'se apropriar da leitura e da escrita como ferramentas essen­ciais de progresso cognoscitivo e de crescimento pessoal'.

É possível a mudança na escola?

Ensinar e ler e escrever faz parte do núcleo fundamental da instituição escolar, está nas suas raízes, consti­tui a sua missão alfabetizadora e sua função social, portanto, é a que mais apresenta resistência a mudanças. Além disso, nos últimos anos, foi a área de que mais sofreu com a inva­são de inovações baseadas apenas em modismos. 
"... O sistema de ensino continua sendo o terreno pri­vilegiado de todos os voluntarismos - dos quais talvez seja o último refúgio. Hoje, mais de que ontem, deve suportar o peso de todas as expectativas, dos fantasmas, das exigências de toda uma sociedade para aqual a educação é o ultimo portador de ilusões"2.

Sendo assim, para que seja pos­sível uma mudança profunda da prá­tica didática, vigente hoje nas institui­ções de ensino, capaz de tornar pos­sível a leitura na escola, é preciso que esta esteja fundamentada na evolu­ção histórica do pensamento peda­gógico, sabendo que muito do que se propõe pode ser encontrado nas ideias de Freinet, Dewey, Decroly e outros pensadores e educadores, o que significa estarem baseadas no avanço do conhecimento científico dessa área, que como em outras áre­as do conhecimento científico, teve suas hipóteses testadas com o objetivo de desvendar a gênese do conhe­cimento humano - como os estudos realizados por Jean Piaget. É preciso compreender também, que essas mudanças não dependem apenas da capacitação adequada de seus pro­fissionais, já que esta é condição ne­cessária, mas não suficiente, é preci­so conhecer o cotidiano escolar em sua essência, buscando descobrir os mecanismos ou fenômenos que per­mitem ou atravancam a apropriação da leitura e da escrita por todas as crianças que ali estão inseridas.

O que vimos até hoje, por meio dos trabalhos e pesquisas que temos realizado no campo da leitura e da escrita, é que existe um abismo que separa a prática escolar da prática social da leitura e da escrita - lê-se na escola trechos sem sentido de uma realidade desconhecida para a crian­ça, já que foram produzidos sistematica­mente para serem usados no espaço es­colar - a fragmentação do ensino da língua (primeiro sílabas simples, de­pois complexas, palavras, frases...) não permite um espaço para que o aluno possa pensar no que aprendeu dentro de um contexto que lhe faça sentido, e ainda, fazem com que esta perca a sua identidade.

"Como o objetivo final do ensino é que o aluno possa fazer funcionar o aprendido fora da escola, em situações que já não serão didáticas, será necessário manter uma vigilân­cia epistemológica que garan­ta uma semelhança fundamen­tal entre o que se ensina e o objeto ou prática social que se pretende que os alunos apren­dam. A versão escolar da leitura e da escrita não deve afas­tar-se demasiado da versão social não-escolar". (p.35)

O "Contrato Didático"

O Contrato Didático aqui é consi­derado como as relações implícitas estabelecidas entre professor e alu­no, sobretudo porque estas exercem influência sobre o aprendizado da lei­tura e da escrita, já que o aluno deve concentrar-se em perceber ou des­cobrir o que o professor deseja que ele 'saiba' sobre aquele texto que o professor escolheu para que ele leia e não em suas próprias interpreta­ções: "A 'cláusula' referente à inter­pretação de textos parece estabelecer [...] que o direito de decidir so­bre a validade da interpretação é privativo do professor...".

Se o objetivo da escola é formar cidadãos praticantes da leitura e da escrita, capazes de realizar escolhas e de opinar sobre o que leem e veem em seu entorno social, é preciso que seja revisto o Contrato Didático, prin­cipalmente no âmbito da leitura e da escrita, e essa revisão é encargo dos pesquisadores de didática - divulgan­do os resultados obtidos bem como os elementos que podem contribuir para as mudanças necessárias -, é responsabilidade dos organismos que regem a educação - que devem levar em conta esses resultados -, é encar­go dos formadores de professores e de todas as instituições capazes de comunicar à comunidade, e particu­larmente aos pais, da importância que tem a análise, escolha e exercício de opinião de seus filhos quando do exer­cício da leitura e da escrita.  

Ferramentas para transformar o ensino

Vimos que transformar o ensino vai além da capacitação dos profes­sores, passa pela sua revalorização pessoal e profissional; requer uma mudança de concepção da relação ensino-aprendizagem para que se possa conceber o estabelecimento de objetivos por ciclos que abrangem os conhecimentos - objeto de ensino - de forma interdisciplinar, visando diminuir a pressão do tempo didático e da fragmentação do conhecimento.

Requer que não se percam de vista os objetivos gerais e de prioridade absoluta, aqueles que são essenciais à educação e lhe conferem significa­do. Requer, ainda, que se compreenda a alfabetização como um processo dedesenvolvimento da leitura e da escrita, e que, portanto, não pode ser desprovido de significado.

Essa compreensão só será alcançada na medida em que forem conhecidos e compreendidos os es­tudos científicos realizados na área, e que nos levaram a descobrir a impor­tância da atividade mental construti­va do sujeito no processo de constru­ção de sua aprendizagem, ressignificando o papel da escola. Colocando em destaque o aprendizado da leitura e da escrita, consideramos fundamen­tal que sejam divulgados os resulta­dos apresentados pelos estudos psicogenéticos e psicolingüísticos, não apenas a professores ou profissionais ligados à educação, mas a toda soci­edade, objetivando conscientizá-los da sua validade e importância, levando-os a perceber as vantagens das estra­tégias didáticas baseadas nesses es­tudos, e, sobretudo, conscientizando-os de que educação também é objeto da ciência.

Voltando à capacitação, enfati­zando sua necessidade, é preciso que se criem espaços de discussão e tro­ca de experiências e informações, que dentre outros aspectos, servirão para levar o(a) professor(a) a perceber que a di­versidade cultural não acontece ape­nas em sua sala de aula, que ela faz parte da realidade social na qual estamos inseridos, e que sendo assim, não poderia estar fora da escola e, ain­da, que esta diversidade tem muito a contribuir se o nosso objetivo educa­cional consistir em preparar nossos alunos para a vida em sociedade. No que concerne a leitura e escrita, pare­ce-nos essencial ter corno prioritária a formação dos professores como lei­tores e produtores de texto, capazes de aprofundar e atualizar seus saberes de forma permanente'.

Nossa experiência nos levou a considerar que a capacitação dos professores em serviço apresenta melhores resultados quando é realizada por meio de oficinas, sustentadas por bibliografias capazes de dar conta das interrogações a respeito da prática que forem surgindo durante os encontros, que devem se estender durante todo o ano letivo, e que contam com a participação dos coordenadores também em sala de aula, mas que, a  longo prazo, capacitem oprofessor a seguir autonomamente, sem que seja necessário o acompanhamento em sala de aula.

Capítulo 3 – Apontamentos a partir da Perspectiva Curricular

Éimportante que, ao propor uma transformação didática para uma instituição de ensino, seja considerada a sua particularidade, o que se dá por meio  do conhecimento de suas neces­sidades e obstáculos, implícitos ou explícitos, que caberá a proposta su­prir ou superar. É imperativo que a elaboração de documentos curricula­res esteja fortemente amparada na pesquisa didática, já que será neces­sário selecionar os conteúdos que serão ensinados, o que pressupõe uma hierarquização, já que privilegi­ará alguns em detrimento de outros.

"Prescrever é possível quan­do se está certo daquilo que se prescreve, e se está tanto mais seguro quanto mais investigada está a questão do ponto de vista didático".(p. 55). 
As escolhas de conteúdos devem ter como fundamento os propósitos educativos', ou seja, se o propósito educativo do ensino da leitura e da escrita é o de formar os alunos como cidadãos da cultura escrita, então o objeto de ensino a ser selecionado deve ter como referência fundamental as práticas sociais de leitura e es­crita utilizadas pela comunidade, o que supõe enfatizar as funções da leitura e da escrita nas diversas situações e razões que levam as pessoas a ler e escrever, favorecendo seu ingresso na escola como objeto de ensino.

Os estudos em torno das práticas de leitura existentes, ou preponderan­tes, no decorrer da história da huma­nidade mostraram que, em determi­nados momentos históricos, privilegia­vam-se leituras intensas e profun­das de poucos textos, como por exemplo, os pensadores clássicos, se­guidos de profundas reflexões reali­zadas por meio de debates ou con­versas entre pequenos grupos de pes­soas ou comunidades, se tomarmos como exemplo a leitura da Bíblia.

Com o avanço das ciências e o aumento da diversidade literária dis­ponível - nas sociedades mais abas­tadas - as práticas de leitura passa­ram a se alternar entre intensivas ou extensivas (leitura de vários textos com menor profundidade), mas sempre mantendo um fator comum: elas, lei­tura e escrita, sempre estiveram inseridas nas relações com as outras pessoas, discutindo hipóteses, ideias, pontos de vista, ou apartes indicando a leitura de algum título ou autor.

O aspecto mais importante que podemos tirar acerca dos estudos históricos é que aprende-se a ler, len­do (ou a escrever, escrevendo), por­tanto, é preciso que os alunos tenham contato com todos os tipos de texto que são veiculados na sociedade, que eles tenham acesso a eles, que esses materiais deixem de ser privilégio de alguns, passando a ser patrimônio de todos. Didaticamente, isto significa que os alunos precisam se apropriar destes textos pelas  práticas de leitura significativas que propiciem reflexões individuais e grupais que, embora demandem tempo, são es­senciais para que o sujeito possa, no futuro, ser um praticante da leitura e da escrita.

"...É preciso assinalar que, ao exercer comportamentos de leitor e de escritor, os alunos têm também a oportunidade de entrar no mundo dos textos, de se apropriar dos traços distintivos[...] de certos gêne­ros, de ir detectando matizes que distinguem a 'linguagem que se escreve' e a diferenci­am da oralidade coloquial, de pôr em ação [...] recursos linguísticos aos quais é neces­sário apelar para resolver os diversos problemas que se apresentam ao produzir ou in­terpretar textos [...[é assim que as práticas de leitura e escrita, progressivamente, se transfor­mam em fonte de reflexão metalingüística". (p. 64).

Capítulo 4 
E possível ler na escola?

"Ler é entrar em outros mundos possíveis. É indagar a realidade para compreendê-la melhor, é se distanciar do tex­to e assumir uma postura crí­tica frente ao que se diz e ao que se quer dizer, é tirar carta de cidadania no mundo da cultura escrita...".(p.73).

Ensinar a ler e escrever foi, e ain­da é, a principal missão da escola, no entanto, dois fatores parecem contribuir para que a escola não ob­tenha sucesso:

1. A tendência de supor que existe uma única interpretação pos­sível a cada texto; 
2. A crença - como diria Piaget - de que a maneira como as crianças aprendem difere da dos adultos e que, portanto, basta ensinar-lhes o que julga­rem pertinente, sem que haja preocupação com o sentido ou significado que tais conteúdos tem para as crianças, o que, além de tudo, facilita o controle da aprendizagem, já que essa concepção permite uma padronização do ensino.

Para que seja possível ler na es­cola, é necessário que ocorra uma mudança nessas crenças, é preciso, como já vimos, que sejam conside­rados os resultados dos trabalhos científicos em torno de como ocorre o processo de aprendizagem nas crian­ças: que ele se dá através da ação da criança sobre os objetos (físicos e sociais), sendo a partir dessa ação que ela (a criança) lhe atribuirá um valor e um significado.

Sabendo que a leitura é, antes de tudo, um objeto de ensino que na escola deverá se transformar em um objeto de aprendizagem, é importante não perder de vista que sua apropri­ação só será possível se houver sen­tido e significado para o sujeito que aprende, que esse sentido varia de acordo com as experiências prévias do sujeito e que, portanto, não são suscetíveis a uma única interpretação ou significado e que o caminho para a manutenção desse sentido na es­cola está em não dissociar o objeto de ensino de sua função social.

O trabalho com projetos de leitu­ra e escrita cujos temas são dirigidos à realização de algum propósito so­cial vem apresentando resultados positivos. Os temas propostos visam atender alguma necessidade da co­munidade em questão e são estru­turados da seguinte forma:

a) Proposta do projeto às crian­ças e discussão do plano do trabalho; 
b) Curso de capacitação para as crianças, visando prepará-las para a busca e consulta autônoma dos materiais a serem utilizados quando da realização das etapas do projeto; 
c) Pesquisa e seleção do materi­al a ser utilizado e/ou lugares a serem visitados; 
d) Divisão das tarefas em peque­nos grupos; 
e) Participação dos pais e da co­munidade; 
f)  Discussão dos resultados en­contrados pelos grupos; 
g) Elaboração escrita dos resul­tados encontrados pelos gru­pos (que passará pela revisão de outro grupo e depois pelo professor); 
h) Redação coletiva do trabalho final; 
i)  Apresentação do projeto à co­munidade interessada. 
j)  Avaliação dos resultados.

Nesses projetos tem-se a oportu­nidade de levar a criança a extrair in­formações de diversas fontes, inclu­sive de textos que não foram escritos exclusivamente para elas e que apresentam um grau maior de dificuldade. A discussão coletiva das informações que vão sendo coletadas propicia a troca de ideias e a verifica­ção de diferentes pontos de vista, como acontece na vida real, e, ain­da, durante a realização desses pro­jetos, as crianças não leem e escre­vem só para 'aprender'. A leitura as­sume um propósito, um significado, que atende também aos propósitos do docente - de inseri-las no mundo de leitores e escritores. Os projetos permitem, ainda, uma administração mais flexível do tempo, porque pro­piciam o rompimento com a organização linear dos conteúdos, já que costumam trabalhar com os temas selecionados de forma interdisciplinar, o que possibilita a retomada dos pró­prios conteúdos em outras situações e, ainda, a análise destes a partir de um referencial diferente.

Acontecem concomitantemente e em articulação com a realização dos projetos, atividades habituais, como 'a hora do conto' semanal ou momen­tos de leitura de outros gêneros, como o de curiosidades científicas e ativi­dades independentes que podem ter caráter ocasional, como a leitura de um texto que tenha relevância pon­tual ou fazer parte de situações de sistematização: passar a limpo uma reflexão sobre uma leitura realizada durante uma atividade habitual ou pontual. Todas essas atividades con­tribuem com o objetivo primordial de 'criar condições que favoreçam a formação de leitores autônomos e críticos e de produtores de textos adequados à situação comunicati­va que os torna necessário' já que em todos elas observam-se os esfor­ços por produzir na escola as condi­ções sociais da leitura e da escrita.

"É assim que a organização baseada em projetos permite coordenar os propósitos do docente com os dos alunos e contribui tanto para preservar o sentido social da leitura como para dotá-la de um sentido pessoal para as crianças". (p.87).

Ainda, o trabalho com projetos, por envolver grupos de trabalho e abrir espaço para discussão e troca de opiniões, permite o estabelecimen­to de um novo contrato didático, ou seja, um novo olhar sobre a avalia­ção, porque admite novas formas de controle sobre a aprendizagem, nas quais todos os sujeitos envolvidos tomam parte, o que contribui para a formação de leitores autônomos, uma vez que estes devem justificar, perante o grupo, as conclusões ou opiniões que defendem. É importante ressaltar que essa modalidade de trabalho torna ainda mais importante o papel das intervenções do professor - fazendo perguntas que levem a ser conside­rados outros aspectos que ainda não tenham sido levantados pelo grupo, ou a outras interpretações possíveis do assunto em questão. Em suma, é importante que a necessidade de con­trole, inerente à instituição escolar, não sufoque ou descaracterize a sua missão principal que são os propósi­tos referentes à aprendizagem.

O professor: um ator no papel de leitor

É muito importante que o profes­sor assuma o papel de leitor dentro da sala de aula. 
Com esta atitude ele estará propiciando à criança a opor­tunidade de participar de atos de leitura. Assumir o papel de leitor consiste em ler para os alunos sem a preocupação de interrogá-los sobre o lido, mas de conseguir com que eles vivenciem o prazer da leitura, a experiência de seguir a trama criada pelo autor exatamente para este fim e, ao terminar, que o professor comente as suas im­pressões a respeito do lido, abrindo espaço para o debate sobre o texto - seus personagens, suas atitudes.

Assumir o papel de leitor é fator ne­cessário, mas não suficiente, cabe ao professor ainda mais; cabe-lhe propor estratégias de leitura que aproximem cada vez mais os alunos dos textos.

A Instituição e o sentido da leitura

Quando os projetos de leitura atingem toda a instituição educacional, cria-se um clima leitor que atinge também os pais, e que envolvem os professores numa situação de traba­lho conjunta que tem um novo valor: o de possibilitar uma reflexão entre os docentes a respeito das ferramen­tas de análise que podem contribuir para a resolução dos problemas didáticos que por ventura eles possam estar vivendo.

As propostas de trabalho e as reflexões aqui apresentadas mostram que é possível sim! Ler e escrever na escola,desde que se promova uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, reconsiderando as formas de avaliação, não deixando que estas interfiram ou atrapalhem o propósito essencial do ensino e da aprendizagem. Desde que se elabo­rem projetos onde a leitura tenha sen­tido e finalidade social imediata, trans­formando a escola em uma 'micros-sociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pais e professores...". (p. 101). 

Capítulo 5 
O Papel do Conhecimento Didático na Formação do Professor

"O saber didático é construído para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, é o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino; é produto da análise das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico; é elaborado através da investiga­ção rigorosa do funcionamen­to das situações didáticas". (p. 105).

É importante considerar que o saber didático, como qualquer outro objeto de conhecimento, é construído através da interação do sujeito com o objeto, ele se encontra, portanto, dentro da sala de aula, e não é exclu­sividade dos professores que traba­lham com crianças, ele está presen­te também em nossas oficinas de capacitação. Então, para apropriar-se desse saber, é preciso estar em sala de aula, buscando conhecer a sua realidade e as suas especificidades.

A atividade na aula como objeto de análise

O registro de classe apresenta-se como principal instrumento de aná­lise do que ocorre em sala de aula. Esses registros podem ser utilizados durante a capacitação, objetivando um aprofundamento do conhecimento didático, já que as situações nele apre­sentadas permitem uma reflexão con­junta a respeito das situações didáti­cas requeridas para o ensino da lei­tura e escrita.

Optamos por utilizar, a princípio, os registros das 'situações boas' ocor­ridas em sala de aula, porque perce­bemos, por meio da experiência, que a ênfase nas 'situações más' distanci­ava capacitadores e educadores, e para além, criavam um clima de in­certeza, por enfatizar o que não se deve fazer, sem apresentar direções do que poderia ser feito; - em suma, quando enfatizamos 'situações boas´ estamos mostrando o que é possível realizar em sala de aula, o que por si só, já é motivador.

É importante destacar que as 'si­tuações boas' não se constituem em situações perfeitas, elas apresentam erros que, ao serem analisados, en­riquecem a prática docente, pois são considerados como importantes ins­trumentos de análise da prática didática - ponto de partida de uma nova reflexão - sendo vistos como parte integrante do processo de constru­ção do conhecimento.

"... a análise de registros de classe opera como coluna ver­tebral no processo de capacitação, porque é um recurso insubstituível para a comunica­ção do conhecimento didático e porque é a partir da análise dos problemas, propostas e in­tervenções didáticas que adqui­re sentido para os docentes se aprofundarem no conhecimen­to do objeto de ensino e de  processos de aprendizagem desse objeto por parte das crianças", (p. 116).

Palavras Finais

Quanto mais os profissionais capacitadores conhecerem a prática pedagógica e os que exercitam essa prática no dia-a-dia: as crenças que os sustentam e os mecanismos que utilizam; quanto mais conhecerem como se dá o processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita na escola, mais estarão em condições de ajudar o professor em sua prática docente.

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