22/01/2012

Os heróis dos campos - Prof. Jerônimo

A cidade de Indiaporã , bem pequenina, fundada na região centro oeste do grande Estado de São Paulo, fica distante de São Paulo 650 quilômetros. Em Maio, a pequenina cidade era agitada por grandes movimentos de bóias frias.
Os bóias frias eram pessoas acostumadas à árdua vida, de acordar de madrugada quando os galos saudavam o novo dia, os fogões a lenha são acesos pelas heroinas dos lares, isto era após de muito choro por causa da fumaça que toldavam as pequeninas casinhas de barro. O forte cheiro de gordura de suínos a aquecer os dentes de alhos, atraiam os gatos e cachorros, que se assentavam próximo ao fogão a olhar suas donas. Ao término do “almoço” que era feito nas madrugadas, o alimento era colocado nos caldeirões que juntamente com os talheres são embalados nos embornais de pano. Pronto está pronto o “moleque”, apelido que os bóias frias davam ao almoço que serão levado às roças.! O tempo neste mês de Maio é frio e as mãos enrijecem, o orvalho tinge de branco as ervas e as plantas dos quintais das casas, a tina com água, acumula-se pequenos flocos de gelo na superfície das águas, as flores exalam seu adocicado olor enchendo-o o ar desta fragrância. Mamãe, com meus irmãos, Arcênio, Ataydes e eu já com nossos chapéus mexicanos de abas largas, caminham para a praça da matriz à aguardar o “pau de arara” nome que é dado ao caminhão, com uma tora de madeira de um extremo ao outro na carroceira que serve de sustento aos bóias frias. Mamãe com meus irmão se ajuntam à outras pessoas e picando fumo de corda que é enrolado em palha de milho, enchem o lugar com o forte cheiro, ficam a conversar enquanto aguardam a chegada do motorista José Pinheiro. Enfim chega o motorista com o seu caminhão soltando um grande tufo de fumaça de óleo diesel queimado. Todos sobem pelos pneus e se acomodam na carroceira e ficam segurando os grande chapéus, algumas mulheres, queridinhas do motorista, vão na boleia do caminhão, e assim começa a viagem até a lavoura de algodão, cujo local era do outro lado do rio grande. O rio grande, como o próprio nome diz é grande mesmo e divido os dois Estados, Minas e São Paulo. A fazenda da qual íamos trabalhar ficava próximo a esse rio. Na viagem, o olor de capim gordura, misturado a poeira empreguinam as roupas, cortante vento faz tremer os bóias frias, e a única alternativa é se proteger abaixando a cabeça até o fim da viagem. Muitos acidentes aconteciam nesta época, devido a imprudência dos motorista, pois em alta velocidade, nestas estradas esburacadas, muitos caminhões tombavam nas curvas, ceifando muitas vidas destes humildes trabalhadores. Há uma curva na estrada que recebeu um cômico nome de “curva da morte” porque lá muitos bóias frias perderam a vida. Até nos dias de hoje as pessoas passam neste fatídico local e tiram os seus chapéus e fazem o sinal da cruz em reverencia às pessoas que perderam a vida.
As seis horas da manhã, o nosso caminhão chega no grande rio, e aguarda a chegada da balsa que fará a travessia para a outra margem, no Estado de Minhas Gerais, o caminhão sobe na plataforma da balsa e nós os bóias frias ficamos dentro da balsa contemplar as águas a correr, pois o tempo de travessia era de vinte minutos. O tempo ainda está frio e os fortes ventos obrigam alguns dos bóias frias a buscarem refugio na frente do caminhão ao calor do motor já desligado. Pela correnteza do rio, observa-se madeiras, folhas e alguns peixinhos como lambaris nas águas turvas a correr. Faltando uns duzentos metros para a balsa chegar nas margens do grande rio, por imprudência o motorista José Pinheiro entra no caminhão e dá partida, esquecendo que o caminhão estava engrenado, acontece o imprevisto, o veículo dá um arrancada para frente e retorna, e com o impacto projeta para as águas gélidas quatro bóias frias. desespero total das histéricas mães, que pulam na embarcação aos gritos de “salvem meu filho por amor de Deus”, eles com suas pesadas botinas, embornais pendurados, grossas roupas de frio são levados pelas fortes correntezas, junto com eles vão também pãezinhos levados com a correnteza. Alguns barqueiros num gesto de civilidade consegue trazer para a balsa alguns náufragos enquanto outros num forte instinto de se salvarem, nadam e retornam à balsa.
O dia inicia-se com este fato marcante na vida dos bóias frias, e o motorista quase apanha das mulheres revoltosas. Chegamos à lavoura de algodão e tudo volta a rotina, apesar das murmurações gerais. Mamãe e meus irmãos penduram os embornais nas frondosas árvores e começamos a colher algodão, as nove horas da manhã o sol começa a lançar seus fortes raios na terra bronzeando os bóias frias. Os mosquitos borrachudos atacam sem parar, calor torna-se forte e as quatro horas da tarde vários moleques e entre eles eu também vamos a pé até o rio para aguardar a chegada do caminhão. Aproveitamos estas horas de lazer para se refrescar no rio. Agora sim um nado voluntário e não forçado.
Mais uma vez em casa com mamãe e meus irmãos a alegria invade nosso humilde lar. O banho era tomada em uma bacia de alumínio, com sabão de soda, à noitinha as lamparinas à querosene eram acesas e íamos ao quintal contar alguns “causos.”
Os bóias frias são realmente uns heróis dos campos, pois mesmo enfrentando esta árdua vida, nas colheitas de algodão são felizes e ainda sobra tempo a noitinha para irem à praça da matriz para conversarem e gargalhar dos seus problemas e desgraças dos outros. Sim são felizes porque estão ajudando a construir este próspero país.

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