28/01/2012

A filosofia do pardalzinho




A história do pardalzinho
Era uma vez, um pardalzinho que odiava ter que voar para o sul por causa do inverno. Ficava tão apavorado com a ideia de deixar o seu lar, que decidiu adiar a viagem até o último momento possível.

Depois de se despedir carinhosamente de todos os seus amigos pardais que partiram, voltou ao seu ninho e ficou por mais quatro semanas.
Finalmente, o tempo se tornou tão desesperadamente frio, que ele não pôde mais adiar. Quando o pardalzinho deu início ao seu voo para o sul, começou a chover, e rapidamente começou a formar gelo sobre suas asas.

Quase morto de frio e exausto, foi perdendo altura, e caiu por terra num pátio de estrebaria.
Quando estava exalando o que pensava ser o seu último alento, um cavalo saiu da estrebaria e virando o traseiro em sua direção, cobriu o pardalzinho de merda.
A princípio, o pardalzinho não podia pensar noutra coisa a não ser que aquele era um modo horrível de morrer "todo cagado".
Porém, quando a merda começou a descer e penetrar em suas penas, começou também a aquecê-lo, e a vida aos poucos começou a voltar em seu corpinho.
Ele descobriu também que tinha espaço suficiente para respirar.
Subitamente o pardalzinho sentiu-se tão feliz, que começou a cantar. Naquele instante, um grande gato, entrou no pátio da estrebaria, e ouvindo o gorjeio do passarinho, começou a remexer o monte de merda para descobrir de onde vinha o trinado.
O gato descobriu a ave e a comeu.

Esta história tem quatro ensinamentos:

1) Nem sempre aquele que caga em cima de você é seu inimigo.
2) Nem sempre aquele que tira você da merda é seu amigo .
3) Desde que você se sinta quente e confortável, mesmo que seja num monte de merda, fique de bico fechado.
4)Quem está na merda não canta .

24/01/2012

História de passarinho – Lygia Fagundes Telles


Um ano depois os moradores do bairro ainda se lembravam do homem de cabelo ruivo que enlouqueceu e sumiu de casa.

Ele era um santo, disse a mulher levantando os braços. E as pessoas em redor não perguntaram nada nem era preciso, perguntar o que se todos já sabiam que era um bom homem que de repente abandonou casa, emprego no cartório, o filho único, tudo. E se mandou Deus sabe para onde.

Só pode ter enlouquecido, sussurrou a mulher, e as pessoas tinham que se aproximar inclinando a cabeça para ouvir melhor. Mas de uma coisa estou certa, tudo começou com aquele passarinho, começou com o passarinho. Que o homem ruivo não sabia se era um canário ou um pintassilgo. Ô! Pai, caçoava o filho, que raio de passarinho é esse que você foi arrumar?!

O homem ruivo introduzia o dedo entre as grades da gaiola e ficava acariciando a cabeça do passarinho que por essa época era um filhote todo arrepiado, escassa a plumagem amarelo-pálido com algumas peninhas de um cinza-claro.

Não sei, filho, deve ter caído de algum ninho, peguei ele na rua, não sei que passarinho é esse.

O menino mascava chicle. Você não sabe nada mesmo, Pai, nem marca de carro, nem marca de cigarro, nem marca de passarinho, você não sabe nada.

Em verdade, o homem ruivo sabia bem poucas coisas. Mas de uma coisa ele estava certo, é que naquele instante gostaria de estar em qualquer parte do mundo, mas em qualquer parte mesmo, menos ali. Mais tarde, quando o passarinho cresceu, o homem ruivo ficou sabendo também o quanto ambos se pareciam, o passarinho e ele.

Ai! O canto desse passarinho, resmungava a mulher, Você quer mesmo me atormentar, Velho. O menino esticava os beiços tentando fazer rodinhas com a fumaça do cigarro que subia para o teto: Bicho mais chato, Pai. Solta ele.

Antes de sair para o trabalho o homem ruivo costumava ficar algum tempo olhando o passarinho que desatava a cantar, as asas trêmulas ligeiramente abertas, ora pousando num pé, ora noutro e cantando como se não pudesse parar nunca mais. O homem então enfiava a ponta do dedo entre as grades, era despedida e o passarinho, emudecido, vinha meio encolhido oferecer-lhe a cabeça para carícia. Enquanto o homem se afastava, o passarinho se atirava meio às cegas contra as grades, fugir, fugir! Algumas vezes, o homem assistiu a essas tentativas que deixavam o passarinho tão cansado, o peito palpitante, o bico ferido. Eu sei, você quer ir embora, você quer ir embora, mas não pode ir, lá fora é diferente e agora é tarde demais.

A mulher punha-se então a falar e falava uns cinqüenta minutos sobre as coisas todas que quisera ter e que o homem ruivo não lhe dera, não esquecer aquela viagem para Pocinhos do Rio Verde e o Trem Prateado descendo pela noite até o mar. Esse mar que se não fosse o Pai (que Deus o tenha!) ela jamais teria conhecido porque em negra hora casara com um homem que não prestava para nada, Não sei mesmo onde estava com a cabeça quando me casei com você, Velho.

Ele continuava com o livro aberto no peito, gostava muito de ler. Quando a mulher baixava o tom de voz, ainda furiosa (mas sem saber mais a razão de tanta fúria), o homem ruivo fechava o livro e ia conversar com o passarinho que se punha tão manso que se abrisse a portinhola poderia colhê-lo na palma da mão. Decorridos os cinqüenta minutos das queixas, e como ele não respondia mesmo, ela se calava exausta. Puxava-o pela manga, afetuosa: Vai, Velho,o café está esfriando, nunca pensei que nesta idade eu fosse trabalhar tanto assim. O homem ia tomar o café. Numa dessas vezes, esqueceu de fechar a portinhola e quando voltou com o pano preto para cobrir a gaiola (era noite) a gaiola estava vazia. Ele então sentou-se no degrau de pedra da escada e ali ficou pela madrugada, fixo na escuridão. Quando amanheceu, o gato da vizinha desceu o muro, aproximou-se da escada onde estava o homem ruivo e ficou ali estirado, a se espreguiçar sonolento de tão feliz. Por entre o pêlo negro do gato desprendeu-se uma pequenina pena amarelo-acinzentada que o vento delicadamente fez voar. O homem inclinou-se para colher a pena entre o polegar e o indicador. Mas não disse nada, nem mesmo quando o menino que presenciara a cena desatou a rir, Passarinho mais besta! Fugiu e acabou aí, na boca do gato.

Calmamente, sem a menor pressa o homem ruivo guardou a pena no bolso do casaco e levantou-se com uma expressão tão estranha que o menino parou de rir para ficar olhando. Repetiria depois à Mãe, Mas ele até que parecia contente, Mãe, juro que o Pai parecia contente, juro! A mulher então interrompeu o filho num sussurro, Ele ficou louco.

Quando formou-se a roda de vizinhos, o menino voltou a contar isso tudo mas não achou importante contar aquela coisa que descobriu de repente: o Pai era um homem alto, nunca tinha reparado antes como ele era alto. Não contou também que estranhou o andar do Pai, firme e reto, mas por que ele andava agora desse jeito? E repetiu o que todos já sabiam, que quando o Pai saiu, deixou o portão aberto e não olhou para trás.

22/01/2012

Bruxos em plena aldeia indígena - Prof. Jerônimo

Hortolândia, uma maravilhosa cidade da região metropolitana de Campinas, clima seco, ar puro e isento das muitas poluições que afetam cidades grandes, Amanda II um bairro tranqüilo que abriga quase cinqüenta mil habitantes. Três amigos de escola que tinham muitas coisas em comum:
Alberto, um jovem ávido pelo conhecimento, cursava o 1º ano do ensino médio, seus óculos (estilo intelectual) destacava dos demais alunos, passava maior parte do tempo na biblioteca pesquisando livros sobre lugares exóticos.
Bernardo, cursava o 3º ano do ensino médio, era assinante de uma das melhores revistas de circulação periódica a revista “reader digest” na escola vivia sonhado com passeio pelas regiões pitorescas do Brasil, afinal ele dizia sempre:
— Nós brasileiros devemos conhecer primeiro nosso país que é rico em lugares bonitos, prá que se preocupar em conhecer outros lugares se aqui temos tudo de bom e bonito? Na sala de aula adorava as aulas de geografia e se deleitava com as informações passadas pela professora Mary!
Nos intervalos, seu amigo preferido era o Alberto, e sempre trocava palavras amigas e discutiam seus sonhos em conhecer outros lugares.
Carla colega de classe do Bernardo possuía o dom de fazer novas amizades, dizia que quando terminasse o ensino médio, faria uma faculdade voltada para a área de astronomia, queria ser cientista! A noite sempre olhava para o céu estrelado de Hortolândia, admirava a constelação do cruzeiro do sul!
Tarde de uma sexta-feira, Bernardo abre sua caixinha de coleta dos correios, em meio a várias contas para pagar, encontrou uma, vinda de sua revista preferida, dentro, um aviso do diretor da revista informando que ele havia sido sorteado com três passagens de ida e volta, para uma viagem para Manaus!
Alegria tomou conta do seu ser, e espalhou as boas novas entre seus amigos, a euforia tomou conta deles, na cantina da escola combinaram que distribuiriam as passagens somente para seus amigos íntimos. Como se aproximavam as férias de dezembro, os jovens se prepararam para a viagem, fizeram suas malas e incluíram nelas: repelentes para mosquitos, varas e apetrechos para pesca, espingarda para caça, lanternas, roupas camufladas, carnes em conserva, bonés e muitas coisas que poderiam ser úteis, como a viagem de ida e volta poderia ser longa, encheram suas malas com vários livros e entre eles um almanaque do pensamento que registrava alguns fenômenos e algumas coisas úteis.
Dia tão esperado chegou! No aeroporto de Viracopos os três despediram de suas famílias no saguão do aeroporto, e o avião tomou as alturas com os jovens aventureiros. Suas mãos suavam, e tentavam se tranqüilizar falando de coisas banais. Carla puxou conversa com o Alberto:
— Sabe Alberto, eu li no almanaque que está previsto um eclipse total do sol, e você não imagina que só será visto na região norte!
—Duvido! — disse o incrédulo Alberto!
—Último eclipse que se tem notícias foi a vinte anos atrás e eu era apenas um menino.- disse o jovem aproximando suas mão da mão da moça,e sentindo seu perfume adocicado da boticário, seu coração batia forte sempre que se aproximava de Carla.
— Pois é, teremos um privilégio, que ninguém de Hortolândia terá! — Ver este fenômeno de um único lugar! — Minhas amigas ficarão com muita inveja.
Suas mãos se tocaram mais uma vez e aproveitaram para trocar um “selinho” deixando Bernardo de olhos arregalados.- Bernardo também tinha uma forte atração por Carla!
Numa manhã ensolarada de sábado, o avião taxia na pista do aeroporto de Manaus e os três amigos descem e se dirigem para um hotel da cidade. Antes de chegar ao hotel foram pegos de surpresas por uma forte chuva, porque o tempo da Amazonas é muito instável!
Chegam em um pequeno hotel da grande capital Manaus, pedem dois quartos um para a Carla e outro para os dois amigos. Tomam um delicioso banho e se reúnem na sala de descanso do hotel, enquanto uma forte chuva cai. Conversam até tarde quando todos bocejando vão para seus quartos descansarem.
Quase duas da manhã, enquanto Alberto já dormia um pesado sono, Bernardo sai devagarzinho e se dirige ao quarto de Carla, a porta não estava trancada, sobre o fino lençol Carla deixava aparecer suas belas pernas, sua pequena calcinha estava a mostra, Bernardo chegou, e deu um pequeno beijo nas rosadas faces dela, se remexeu e fingiu dormir, as mãos de Bernardo tocaram suavemente em suas pernas, e logo se abraçaram arduamente. Ambos sedentos de paixão se entregaram um ao outro até as cinco da manhã quando ele voltou para seu quarto. Alberto ainda dormia exausto em sua cama de solteiro.
Amanhece o dia e os três saem do hotel e vão conhecer a grande Manaus, um anúncio publicava um telefone de um guia para viagens à selva, prometia ser um exímio conhecedor do lugar. Ligam para ele e atende o Zé do Brejo como era chamado:
- Alô – disse Carla ao telefone.- Precisamos de seu serviço para um passeio em plena selva, queremos conhecer tudo que for belo e exótico que exista nesse lugar. Concordaram o preço e marcaram para o dia seguinte, o embarque no seu belo barco. Iriam por água porque por terra era bem difícil o transporte.
Malas, mochilas e apetrechos de turistas estavam prontos e embarcaram no barco do Zé do Brejo. O barco era de tamanho mediano com dois compartimentos em um dos lugares havia redes para os turistas descansarem enquanto o barco singrava as belas águas do rio Amazônia, águas profundas, turvas.
Em uma pequena curva do rio, os três amigos acham que é o melhor local para permanecerem algum tempo e armarem suas barracas. O barco pára enquanto os três descem e começam seu passeio, árvores são fotografadas, pássaros de diferentes espécies, dão um verdadeiro show com seus cantos, doce cheiro de flores, é como um alucinógeno às narinas dos jovens hortolandenses.
Armam as barracas e curtem os bons momentos enquanto o barqueiro fica na beira do rio à esperar o chamado para prosseguir e guia-los à selva mais densa. Carla e Bernardo não puderam nem se tocar, um pouco de medo os dominava nesse ambiente exótico e hostil as visitas indesejáveis, rugido de feras ecoavam na noite, cantos de pássaros noctívagos davam um ar tétrico. Barulhos de chocalho indicavam que havia algumas cobras venenosas nesse lugar. Atiçaram a fogueira e conseguiram passar suas primeiras noites.
Amanhece, e ao som dos pássaros matinais, chamam o guia e se embrenham pela selva adentro, o guia vai à frente com seu facão cortando os obstáculos que dificultam a passagem. Um grito de dor:- Ai... Sangue mancha a camisa do Zé do Brejo, sobre seu pescoço um forte jato de sangue corre violentamente enquanto ele cai.
Os três desesperados não sabem o que aconteceu e correm desnorteados pela mata adentro, Carla tropeça em um cipó e cai. Sobre ela um ser estranho agarra suas costas e sua boca é fechada por uma mão toda manchada de barro, Carla vê que Bernardo e Alberto estão vindo próximo dela, as mão dos jovens estão amarradas e atrás deles um grupo de índios da raça dos Amambiquaras.
Os Amambiquaras é uma raça de índios quase extinta na região norte do Brasil, os pesquisadores dizem que deveriam haver poucos índios dessa raça. Eram antropófagos, andavam praticamente nus, usavam um pequeno enduape que cobriam as regiões glúteas, suas extensas cabeleiras eram presas por penas de aves principalmente de faisão, era um povo ignoto para os pesquisadores, mas exerciam extrema violência para com os intrusos.
Nossos amigos foram levados até a taba na presença do cacique, seus gritos de guerra e seus falares eram totalmente incompreendidos por Carla, Bernardo e Alberto.
O cacique era um velho de feição austera, tinha um pouco de conhecimento das línguas dos brancos e disse numa mistura de sua língua e a nossa: - O que os brancos querem aqui?- Carla foi a primeira a falar tremendo de medo:
- Não queremos nada, apenas ir embora.
Sem ser atendida, todos foram amarrados com cipó embira em um tronco de árvore que estava defronte da taba. Começaram as danças, em sua volta via passar alguns índios a dançar ao som de uns batuques de tambores. Havia algumas meninas índias, com seus seios à mostra, pequenas tangas cobriam seus sexos, os índios quase nus gritavam uma cantiga estranha, causando terror aos olhos dos hortolandenses.
Mais ou menos duas horas durou a dança, quando apareceram algumas índias, tiraram totalmente as roupas de Carla, Bernardo e do Alberto, usaram urucum, pintaram seus corpos, com uma ferramenta rústica, cortaram os seus cabelos.
Alguns índios trouxeram folhas de coqueiros e alguns gravetos e cercaram os jovens! Terror estava estampado aos seus olhos, sabiam que seriam devorados vivos após serem totalmente queimados.
Nessa hora, Carla lembrou das aulas de literatura que tivera com seu professor Ferreira, principalmente o texto que havia lido sobre o índio tupi sendo prisioneiro das tribos dos Aimorés! Agora vivenciava essa história real sendo a própria personagem.
Carla não havia perdido o senso de data, teve uma lembrança de seu livro, lembrou que nesse dia haveria um eclipse solar, visto totalmente na região norte, acreditava que seria em torno de 12h45min, lembrando que havia a diferença de fuso horário.
Quando tudo parecia perdido, Carla ficou histérica e começou a gritar, causando horror aos jovens prisioneiros. Gritava, enrolava a língua e olhava para o sol, os índios não compreendiam nada. De repente uma pequena mancha no Sol apareceu, a mancha crescia mais e mais até que começou a escurecer em pleno meio dia. Índios gritavam, olhavam para o Sol, alguns caiam com as mãos ao sol, logo toda a aldeia estava em prantos.
O cacique supondo que os prisioneiros eram bruxos mandou que os soltassem e disse:
- Fujam daqui vocês são protegidos pelo deus Sol.
Carla, Bernardo e Alberto receberam suas roupas e suas sacolas. Vestiram-se e ganharam algumas oferendas e um prato de uma comida que não sabiam o que eram, devido a fome, comeram avidamente, comeram algumas frutas.
Ao saírem da aldeia, Alberto lembrou que tinha um litro de álcool, alguns índios os escoltaram guiando pela selva. Ao passarem por um pequeno riacho Alberto despejou o álcool no leito do riacho e riscou fósforo, houve uma combustão e a água pegou fogo. Os índios desesperados voltaram em fuga gritando para suas aldeias.
Rindo e chorando os três perguntam a Carla se ela sabia do eclipse:- Acho que fomos salvos pelas leituras e nossos conhecimentos adquiridos na escola. É verdade sua bruxa, disse rindo o Alberto. Acho que eu também sou um bruxo.
Andando, chorando de alegria, tropeçando nos cipós, conseguem chegar até o rio de onde avistam algumas aves voando em círculo, olhando com mais atenção descobrem o corpo do barqueiro em estado de decomposição, pois havia sido devorado pelas aves.
Avistam o barco e não foi difícil por em funcionamento, motores são ligados, e sobem o rio e após três horas de viagem chegam a um ancoradouro em Manaus. Dirigem-se ao hotel e caem exaustos no chão do quarto.
Amanhece o dia e verificam que suas passagens ainda eram validadas, na hora marcada vão até o aeroporto e tomam o avião rumo à Campinas.
Seus nomes ficarão para sempre na história, pois aprenderam que muitas vezes a astúcia é melhor do que a força.
Brasil um lugar belo, porém todo passeio deve ser antes de tudo bem planejado para não sofrer conseqüências desastrosas.

Os heróis dos campos - Prof. Jerônimo

A cidade de Indiaporã , bem pequenina, fundada na região centro oeste do grande Estado de São Paulo, fica distante de São Paulo 650 quilômetros. Em Maio, a pequenina cidade era agitada por grandes movimentos de bóias frias.
Os bóias frias eram pessoas acostumadas à árdua vida, de acordar de madrugada quando os galos saudavam o novo dia, os fogões a lenha são acesos pelas heroinas dos lares, isto era após de muito choro por causa da fumaça que toldavam as pequeninas casinhas de barro. O forte cheiro de gordura de suínos a aquecer os dentes de alhos, atraiam os gatos e cachorros, que se assentavam próximo ao fogão a olhar suas donas. Ao término do “almoço” que era feito nas madrugadas, o alimento era colocado nos caldeirões que juntamente com os talheres são embalados nos embornais de pano. Pronto está pronto o “moleque”, apelido que os bóias frias davam ao almoço que serão levado às roças.! O tempo neste mês de Maio é frio e as mãos enrijecem, o orvalho tinge de branco as ervas e as plantas dos quintais das casas, a tina com água, acumula-se pequenos flocos de gelo na superfície das águas, as flores exalam seu adocicado olor enchendo-o o ar desta fragrância. Mamãe, com meus irmãos, Arcênio, Ataydes e eu já com nossos chapéus mexicanos de abas largas, caminham para a praça da matriz à aguardar o “pau de arara” nome que é dado ao caminhão, com uma tora de madeira de um extremo ao outro na carroceira que serve de sustento aos bóias frias. Mamãe com meus irmão se ajuntam à outras pessoas e picando fumo de corda que é enrolado em palha de milho, enchem o lugar com o forte cheiro, ficam a conversar enquanto aguardam a chegada do motorista José Pinheiro. Enfim chega o motorista com o seu caminhão soltando um grande tufo de fumaça de óleo diesel queimado. Todos sobem pelos pneus e se acomodam na carroceira e ficam segurando os grande chapéus, algumas mulheres, queridinhas do motorista, vão na boleia do caminhão, e assim começa a viagem até a lavoura de algodão, cujo local era do outro lado do rio grande. O rio grande, como o próprio nome diz é grande mesmo e divido os dois Estados, Minas e São Paulo. A fazenda da qual íamos trabalhar ficava próximo a esse rio. Na viagem, o olor de capim gordura, misturado a poeira empreguinam as roupas, cortante vento faz tremer os bóias frias, e a única alternativa é se proteger abaixando a cabeça até o fim da viagem. Muitos acidentes aconteciam nesta época, devido a imprudência dos motorista, pois em alta velocidade, nestas estradas esburacadas, muitos caminhões tombavam nas curvas, ceifando muitas vidas destes humildes trabalhadores. Há uma curva na estrada que recebeu um cômico nome de “curva da morte” porque lá muitos bóias frias perderam a vida. Até nos dias de hoje as pessoas passam neste fatídico local e tiram os seus chapéus e fazem o sinal da cruz em reverencia às pessoas que perderam a vida.
As seis horas da manhã, o nosso caminhão chega no grande rio, e aguarda a chegada da balsa que fará a travessia para a outra margem, no Estado de Minhas Gerais, o caminhão sobe na plataforma da balsa e nós os bóias frias ficamos dentro da balsa contemplar as águas a correr, pois o tempo de travessia era de vinte minutos. O tempo ainda está frio e os fortes ventos obrigam alguns dos bóias frias a buscarem refugio na frente do caminhão ao calor do motor já desligado. Pela correnteza do rio, observa-se madeiras, folhas e alguns peixinhos como lambaris nas águas turvas a correr. Faltando uns duzentos metros para a balsa chegar nas margens do grande rio, por imprudência o motorista José Pinheiro entra no caminhão e dá partida, esquecendo que o caminhão estava engrenado, acontece o imprevisto, o veículo dá um arrancada para frente e retorna, e com o impacto projeta para as águas gélidas quatro bóias frias. desespero total das histéricas mães, que pulam na embarcação aos gritos de “salvem meu filho por amor de Deus”, eles com suas pesadas botinas, embornais pendurados, grossas roupas de frio são levados pelas fortes correntezas, junto com eles vão também pãezinhos levados com a correnteza. Alguns barqueiros num gesto de civilidade consegue trazer para a balsa alguns náufragos enquanto outros num forte instinto de se salvarem, nadam e retornam à balsa.
O dia inicia-se com este fato marcante na vida dos bóias frias, e o motorista quase apanha das mulheres revoltosas. Chegamos à lavoura de algodão e tudo volta a rotina, apesar das murmurações gerais. Mamãe e meus irmãos penduram os embornais nas frondosas árvores e começamos a colher algodão, as nove horas da manhã o sol começa a lançar seus fortes raios na terra bronzeando os bóias frias. Os mosquitos borrachudos atacam sem parar, calor torna-se forte e as quatro horas da tarde vários moleques e entre eles eu também vamos a pé até o rio para aguardar a chegada do caminhão. Aproveitamos estas horas de lazer para se refrescar no rio. Agora sim um nado voluntário e não forçado.
Mais uma vez em casa com mamãe e meus irmãos a alegria invade nosso humilde lar. O banho era tomada em uma bacia de alumínio, com sabão de soda, à noitinha as lamparinas à querosene eram acesas e íamos ao quintal contar alguns “causos.”
Os bóias frias são realmente uns heróis dos campos, pois mesmo enfrentando esta árdua vida, nas colheitas de algodão são felizes e ainda sobra tempo a noitinha para irem à praça da matriz para conversarem e gargalhar dos seus problemas e desgraças dos outros. Sim são felizes porque estão ajudando a construir este próspero país.

21/01/2012

COMPADRE DA MORTE - João Monteiro











Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:

- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.

O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo:

- Este escapa!

Ou então:

- Tratem do caixão dele!

Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.

Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.

O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.

- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!

- Prometo! - disse a Morte.

Levou o homem num relâmpago até sua casa.

Tratou muito bem e mostrou a casa toda. O médico viu um salão cheio-cheio de velas acessas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras viva, outras esmorecendo. Perguntou o que era:

É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acessa. Quando a vela acaba, o homem morre.

O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.

- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!

A Morte disse:

- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você para aqui como amigo mas você me fez jurar que voltaria e eu vou levá-lo para você morrer em casa.

O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela família. Chamou a comadre e pediu:

- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não me leves antes. Jura?

- Juro -, prometeu a Morte.
O homem começou a rezar o Padre-Nosso que estás no céu... E calou-se. Vai a Morte e diz:

- Vamos, compadre, reze o resto da oração!

- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o Padre-Nosso mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza. Vai durar anos e anos...

A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.

Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:

- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...

Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o. A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.



(Informante: João Monteiro, Natal, Rio Grande do Norte. Em CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte; São Paulo, Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1986. Reconquista do Brasil, 2ª série, 96)

Jeca Tatu – A Ressurreição - Monteiro Lobato



I



Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários fichinhas pálidos e tristes.

Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha idéia de plantar um pé de couve atras da casa. Perto um ribeirão, onde ele pescava de vez em quando uns lambaris e um ou outro bagre. E assim ia vivendo.

Dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis nem roupas, nem nada que significasse comodidade. Um banquinho de três pernas, umas peneiras furadas, a espingardinha de carregar pela boca, muito ordinária, e só.

Todos que passavam por ali murmuravam:

- Que grandíssimo preguiçoso!

II

Jeca Tatu era tão fraco que quando ia lenhar vinha com um feixinho que parecia brincadeira. E vinha arcado, como se estivesse carregando um enorme peso.

- Por que não traz de uma vez um feixe grande? Perguntaram-lhe um dia.

Jeca Tatu coçou a barbicha rala e respondeu:

- Não paga a pena.

Tudo para ele não pagava a pena. Não pagava a pena consertar a casa, nem fazer uma horta, nem plantar arvores de fruta, nem remendar a roupa.

Só pagava a pena beber pinga.

- Por que você bebe, Jeca? Diziam-lhe.

- Bebo para esquecer.

- Esquecer o quê?

- Esquecer as desgraças da vida.

E os passantes murmuravam:

- Além de vadio, bêbado…

III

Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava todos os anos uma rocinha de milho, outra de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da casa um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas. Mas o porco e as aves que cavassem a vida, porque Jeca não lhes dava o que comer. Por esse motivo o porquinho nunca engordava, e as galinhas punham poucos ovos.

Jeca possuía ainda um cachorro, o Brinquinho, magro e sarnento, mas bom companheiro e leal amigo.

Brinquinho vivia cheio de bernes no lombo e muito sofria com isso. Pois apesar dos ganidos do cachorro, Jeca não se lembrava de lhe tirar os bernes. Por que? Desânimo, preguiça…

As pessoas que viam aquilo franziam o nariz.

- Que criatura imprestável! Não serve nem para tirar berne de cachorro…

IV

Jeca só queria beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali ficava horas, com o cachorrinho rente; cochilando. A vida que rodasse, o mato que crescesse na roça, a casa que caísse. Jeca não queria saber de nada. Trabalhar não era com ele.

Perto morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por que Jeca não fazia o mesmo?

Quando lhe perguntavam isso, ele dizia:

- Não paga a pena plantar. A formiga come tudo.

- Mas como é que o seu vizinho italiano não tem formiga no sítio?

- É que ele mata.

- E porque você não faz o mesmo?

Jeca coçava a cabeça, cuspia por entre os dentes e vinha sempre com a mesma história:

- Quá! Não paga a pena…

- Além de preguiçoso, bêbado; e além de bebado, idiota, era o que todos diziam.

V

Um dia um doutor portou lá por causa da chuva e espantou-se de tanta miséria. Vendo o caboclo tão amarelo e chucro, resolveu examiná-lo.

- Amigo Jeca, o que você tem é doença.

- Pode ser. Sinto uma canseira sem fim, e dor de cabeça, e uma pontada aqui no peito que responde na cacunda.

- Isso mesmo. Você sofre de anquilostomiase.

- Anqui… o quê?

- Sofre de amarelão, entende? Uma doença que muitos confundem com a maleita.

- Essa tal maleita não é a sezão?

- Isso mesmo. Maleita, sezão, febre palustre ou febre intermitente: tudo é a mesma coisa, está entendendo? A sezão também produz anemia, moleza e esse desânimo do amarelão; mas é diferente. Conhece-se a maleita pelo arrepio, ou calafrio que dá, pois é uma febre que vem sempre em horas certas e com muito suor. O que você tem é outra coisa. É amarelão.

VI

O doutor receitou-se o remédio adequado; depois disse: “E trate de comprar um par de botinas e nunca mais me ande descalço nem beba pinga, ouviu?”

- Ouvi, sim, senhor!

- Pois é isso, rematou o doutor, tomando o chapéu. A chuva passou e vou-me embora. Faça o que mandei, que ficará forte, rijo e rico como o italiano. Na semana que vem estarei de volta.

- Até por lá, sêo doutor!

Jeca ficou cismando. Não acreditava muito nas palavras da ciência, mas por fim resolveu comprar os remédios, e também um par de botinas ringideiras.

Nos primeiros dias foi um horror. Ele andava pisando em ovos. Mas acostumou-se, afinal…

VII

Quando o doutor reapareceu, Jeca estava bem melhor, graças ao remédio tomado. O doutor mostrou-lhe com uma lente o que tinha saído das suas tripas.

- Veja, sêo Jeca, que bicharia tremenda estava se criando na sua barriga! São os tais anquilostomos, uns bichinhos dos lugares úmidos, que entram pelos pés, vão varando pela carne adentro até alcançarem os intestinos. Chegando lá, grudam-se nas tripas e escangalham com o freguês. Tomando este remédio você bota p’ra fora todos os anquilostomos que tem no corpo. E andando sempre calçado, não deixa que entrem os que estão na terra. Assim fica livre da doença pelo resto da vida.

Jeca abriu a boca, maravilhado.

- Os anjos digam amém, sêo doutor!

VIII

Mas Jeca não podia acreditar numa coisa: que os bichinhos entrassem pelo pé. Ele era “positivo” e dos tais que “só vendo”. O doutor resolveu abrir-lhe os olhos. Levou-o a um lugar úmido, atrás da casa, e disse:

- Tire a botina e ande um pouco por aí.

Jeca obedeceu.

- Agora venha cá. Sente-se. Bote o pé em cima do joelho. Assim. Agora examine a pela com esta lente.

Jeca tomou a lente, olhou e percebeu vários vermes pequeninos que já estavam penetrando na sua pele, através dos poros. O pobre homem arregalou os olhos assombrado.

- E não é que é mesmo? Quem “havera” de dizer!…

- Pois é isso, sêo Jeca, e daqui por diante não duvide mais do que a ciência disser.

- Nunca mais! Daqui por diante nha ciência está dizendo e Jeca está jurando em cima! T’esconjuro! E pinga, então, nem p’ra remédio…

IX

Tudo o que o doutor disse aconteceu direitinho! Três meses depois ninguém mais conhecia o Jeca.

A preguiça desapareceu. Quando ele agarrava no machado, as arvores tremiam de pavor. Era pan, pan, pan… horas seguidas, e os maiores paus não tinham remédio senão cair.

Jeca, cheio de coragem, botou abaixo um capoeirão para fazer uma roça de três alqueires. E plantou eucaliptos nas terras que não se prestavam para cultura. E consertou todos os buracos da casa. E fez um chiqueiro para os porcos. E um galinheiro para as aves. O homem não parava, vivia a trabalhar com fúria que espantou até o seu vizinho italiano.

- Descanse um pouco, homem! Assim você arrebenta… diziam os passantes.

- Quero ganhar o tempo perdido, respondia ele sem largar do machado. Quero tirar a prosa do “intaliano”.

X

Jeca, que era um medroso, virou valente. Não tinha mais medo de nada, nem de onça! Uma vez, ao entrar no mato, ouviu um miado estranho.

- Onça! Exclamou ele. É onça e eu aqui sem nem uma faca!…

Mas não perdeu a coragem. Esperou a onça, de pé firme. Quando a fera o atacou, ele ferrou-se tamanho murro na cara, que a bicha rolou no chão, tonta. Jeca avançou de novo, agarrou-a pelo pescoço e estrangulou-a

- Conheceu, papuda? Você pensa então que está lidando com algum pinguço opilado? Fique sabendo que tomei remédio do bom e uso botina ringideira…

A companheira da onça, ao ouvir tais palavras, não quis saber de histórias – azulou! Dizem que até hoje está correndo…

XI

Ele, que antigamente só trazia três pausinhos, carregava agora cada feixe de lenha que metia medo. E carregava-os sorrindo, como se o enorme peso não passasse de brincadeira.

- Amigo Jeca, você arrebenta! Diziam-lhe. Onde se viu carregar tanto pau de uma vez?

- Já não sou aquele de dantes! Isto para mim agora é canja, respondia o caboclo sorrindo.

- Quando teve de aumentar a casa, foi a mesma coisa. Derrubou no mato grossas perobas, atorou-as, lavrou-as e trouxe no muque para o terreiro as toras todas. Sozinho!

- Quero mostrar a esta paulama quanto vale um homem que tomou remédio de Nha Ciência, que usa botina cantadeira e não bebe nem um só martelinho de cachaça.

O italiano via aquilo e coçava a cabeça.

- Se eu não tropicar direito, este diabo me passa na frente, Per Bacco!

XII

Dava gosto ver as roças do Jeca. Comprou arados e bois, e não plantava nada sem primeiro afofar a terra. O resultado foi que os milhos vinham lindos e o feijão era uma beleza.

O italiano abria a boca, admirado, e confessava nunca Ter visto roças assim.

E Jeca já não plantava rocinhas como antigamente. Só queria saber de roças grandes, cada vez maiores, que fizessem inveja no bairro.

E se alguém lhe perguntava:

- Mas para que tanta roça, homem? Ele respondia:

- É que agora quero ficar rico. Não me contento com trabalhar para viver. Quero cultivar todas as minhas terras, e depois formar aqui uma enorme fazenda. E hei de ser até coronel…

E ninguém duvidava mais. O italiano dizia:

- E forma mesmo! E vira mesmo coronel! Per la Madonna!…

XIII

Por esse tempo o doutor passou por lá e ficou admiradíssimo da transformação do seu doente.

Esperara que ele sarasse, mas não contara com tal mudança.

Jeca o recebeu de braços abertos e apresentou-o à mulher e aos filhos.

Os meninos cresciam viçosos, e viviam brincando contentes como passarinhos.

E toda gente ali andava calçada. O caboclo ficara com tanta fé no calçado, que metera botinas até nos pés dos animais caseiros!

Galinhas, patos, porcos, tudo de sapatinho nos pés! O galo, esse andava de bota e espora!

- Isso também é demais, sêo Jeca, disse o doutor. Isso é contra a natureza!

- Bem sei. Mas quero dar um exemplo a esta caipirada bronca. Eles aparecem por aqui, vêem isso e não se esquecem mais da história.

XIV

Em pouco tempo os resultados foram maravilhosos. A porcada aumentou de tal modo, que vinha gente de longe admirar aquilo. Jeca adquiriu um caminhão Ford, e em vez de conduzir os porcos ao mercado pelo sistema antigo, levava-os de auto, num instantinho, buzinando pela estrada afora, fon-fon! fon-fon!…

As estradas eram péssimas; mas ele consertou-as à sua custa. Jeca parecia um doido. Só pensava em melhoramentos, progressos, coisas americanas. Aprendeu logo a ler, encheu a casa de livros e por fim tomou um professor de inglês.

- Quero falar a língua dos bifes para ir aos Estados Unidos ver como é lá a coisa.

O seu professor dizia:

- O Jeca só fala inglês agora. Não diz porco; é pig. Não diz galinha! É hen… Mas de álcool, nada. Antes quer ver o demônio do que um copinho da “branca”…

XV

Jeca só fumava charutos fabricados especialmente para ele, e só corria as roças montado em cavalos árabes de puro sangue.

- Quem o viu e quem o vê! Nem parece o mesmo. Está um “estranja” legítimo, até na fala.

Na sua fazenda havia de tudo. Campos de alfafa. Pomares belíssimos com quanta fruta há no mundo. Até criação de bicho da seda; Jeca formou um amoreiral que não tinha fim.

- Quero que tudo aqui ande na seda, mas seda fabricada em casa. Até os sacos aqui da fazenda têm que ser de seda, para moer os invejosos…

E ninguém duvidava de nada.

- O homem é mágico, diziam os vizinhos. Quando assenta de fazer uma coisa, faz mesmo, nem que seja um despropósito…

XVI

A fazenda do Jeca tornou-se famosa no país inteiro. Tudo ali era por meio do rádio e da eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão e o cocho do chiqueiro se enchia automaticamente de rações muito bem dosadas. Tocava outro botão, e um repuxo de milho atraia todo o galinhame…

Suas roças eram ligadas por telefones. Da cadeira de balanço, na varanda, ele dava ordens aos feitores lá longe.

Chegou a mandar buscar no Estados Unidos um telescópio.

- Quero aqui desta varanda ver tudo que se passa em minha fazenda.

E tanto fez, que viu. Jeca instalou os aparelhos e assim pode, da sua varanda, com o charutão na boca, não só falar por meio do rádio para qualquer ponto da fazenda, como ainda ver, por meio do telescópio, o que os camaradas estavam fazendo.

XVII

Ficou rico e estimado, como era natural; mas não parou aí. Resolveu ensinar o caminho da saúde aos caipiras das redondezas. Para isso montou na fazenda e vilas próximas vários Postos de Maleita, onde tratava os enfermos de sezões; e também Postos de Anquilostomose, onde curava os doentes de amarelão e outras doenças causadas por bichinhos nas tripas.

O seu entusiasmo era enorme. “Hei de empregar toda a minha fortuna nesta obra de saúde geral, dizia ele. O meu patriotismo é este. Minha divisa: Curar gente. Abaixo a bicharia que devora o brasileiro…”

E a curar gente da roça passou Jeca toda a sua vida. Quando morreu, aos 89 anos, não teve estátua, nem grandes elogios nos jornais. Mas ninguém ainda morreu de consciência tranqüila. Havia cumprido o seu dever até o fim.

XVIII

Meninos: nunca se esqueçam desta história; e, quando crescerem, tratem de imitar o Jeca. Se forem fazendeiros, procurem curar os camaradas da fazenda. Além de ser para eles um grande benefício, é para você um alto negócio. Você verá o trabalho dessa gente produzir três vezes mais.

Um país não vale pelo tamanho, nem pela quantidade de habitantes. Vale pelo trabalho que realiza e pela qualidade da sua gente. Ter saúde é a grande qualidade de um povo. Tudo mais vem daí.

Monteiro Lobato
Extraído do
Projeto Memória